domingo, 30 de janeiro de 2011

Do Espírito das Leis, O Federalista vs Maquiavel, Hobbes e Locke

Do Espírito das Leis
O Conceito de Lei e a idéia de espírito da Lei
Virtude Política. A especificação desse termo em “Do Espírito das Leis”, obra de Montesquieu, é decisiva para alertar sobre um significativo rompimento com o pragmatismo político que rondava seu tempo. Muito embora o tema virtude tenha sido revisitado e revolucionado por Maquiavel aproximadamente dois séculos antes, foi nessa obra de Montesquieu que a virtude passou a ter um caráter terreno, realista, desmistificado. Com isso, o ineditismo do trabalho do barão foi muito além de analisar o que seria o homem virtuoso de seu tempo. Longe da virtude cristã, o que o autor observa é a virtude como sendo o amor à pátria e à igualdade. A partir dessa mola propulsora, Montesquieu desenvolve seus estudos sobre o que chamou de espírito das leis, pelo qual o homem de bem respeitando a legislação pode demonstrar sua virtude política. 
As leis, objeto de estudo do pensador francês, passam por uma analise aprofundada, ganhando significações abrangentes. Partilha de terras,comércio, tributações e impostos são temas em voga para garantia da igualdade quando Montesquieu passeia entre os tipos de governo que estuda. Para ele, o espírito das leis é o conjunto das relações contidas em uma nação (como o físico do país, clima, religião, costumes, riquezas, etc.) e as relações com o objetivo do legislador, com a ordem das coisas sobre as quais são estabelecidas. Isso significa que o aspecto legislativo passa a ser analisado sob ótica sociológica, buscando explicações sociais para sua criação. É o que estudiosos chamam de vanguarda no pensamento sociológico de Montesquieu.
Na concepção de lei pensada por Montesquieu, o acaso e o absurdo são excluídos. E com a influência da teoria física newtoniana, a constância e a uniformidade ganham espaço. O jusnaturalismo dos contratualistas também não tem continuidade em suas análises. O que interessa aqui é entender o funcionamento da sociedade pelos mecanismos legislativos.
No primeiro livro da obra “Do Espírito das Leis”, o autor trata a generalidade das leis, sendo possível, já nesse primeiro contato com sua obra, identificar a ruptura com o pensamento de leis divinas, religiosas. Para tanto, faz uma progressão de idéias sobre as leis, até chegar ao sentido do espírito das leis políticas:
“Como criatura sensível, (o homem) está sujeito a mil paixões. Um tal ser poderia a todo momento esquecer seu criador. Deus chamou-o a si pelas leis da religião. (...) Feito para viver em sociedade, ele (o homem) poderia esquecer-se dos seus semelhantes: os legisladores fizeram-no voltar aos seus deveres pelas leis políticas e civis” (MONTESQUIEU, p.18, 2007).
O homem, vivendo em sociedade, necessita de regras que os façam vigiar seus deveres, sendo impossível que a sociedade pudesse existir sem que houvessem leis para retomar o homem ao sentimento de coletividade, de virtude política.
O livro I passa pela explicação sobre as leis gerais, leis naturais e leis positivas. Todas as coisas são regidas por leis, não importando se são leis naturais, divinas ou criadas pelo homem. Essa é a relação que a lei tem com os diversos seres, como denomina o próprio Montesquieu em seu capítulo sobre a generalidade das leis.  Para analisar as leis naturais, o autor alerta sobre a necessidade de avaliar o homem nesse estado, ou seja, antes da vida em sociedade. A partir daí, traça quatro leis naturais, sendo a última a que culmina na necessidade de o homem viver em sociedade, fazendo a transição para a lógica da criação das leis positivas.
É justamente no que tange ao conceito de natureza do homem pré-social que Montesquieu contrapõe Hobbes, no que diz respeito ao estado de guerra constante em que vive o homem. O contratualista coloca o homem belicoso por natureza em um cenário da vida em sociedade, o que para Montesquieu é uma incoerência. Estando em sociedade, o homem deixou de viver na floresta, deixou de viver o medo e a fragilidade que o colocaria em um estado de paz e o colocou em uma posição onde encontraria motivação de conservação e, conseqüentemente, o tirou de seu estado de natureza genuína sendo necessárias as leis para relembrá-lo sobre o espírito coletivo.
De fato, o conceito de lei em Montesquieu extrapola explicações naturais e divinas e passa por um complexo entendimento sobre suas motivações e seu funcionamento social. Essa idéia é aprofundada quando o autor discute as tipologias de regime. Aliás, idéias que apresentam outra grande ruptura com concepções clássicas que até então existiam no pensamento político.

Formas de governo e as relações entre natureza e princípio
As tipificações dos regimes políticos elaborados por Montesquieu podem causar aos desavisados uma falsa impressão de repetição do período clássico. No entanto, o que ele faz é uma atualização desses preceitos gerando uma tese inovadora. É preciso dizer que até então, meados do século XVIII, o que ainda prevalecia era o modelo estático da teoria de Aristóteles sobre tipos de regimes.
Enquanto a tese aristotélica trazia uma tipificação basicamente numérica (um - monarquia, poucos – aristocracia e muitos - democracia) e a derivação de formas degeneradas desses governos (tirania, oligarquia e demagogia), Montesquieu divide em três formas: monarquia, república (democracia e aristocracia) e despotismo. Aqui, não se discute qual é o melhor regime como em Aristóteles. Nem se quer afirmar que o melhor homem é o virtuoso. Estudam-se como as leis podem ser essenciais para que uma determinada sociedade possa atingir, de alguma maneira, certa harmonia e equilíbrio entre os interesses comuns e particulares.
Respeitando as naturezas e os princípios de cada tipo de governo, Montesquieu analisa os impactos das leis sobre seus concidadãos, tendo em mente sempre a necessidade de se encontrar a igualdade. Dessa forma, leis sobre o comércio e herança, por exemplo, são passíveis de diferenciações nos variados governos, pois estão sujeitas a princípios diferentes o que muda totalmente a maneira como essas leis podem ser empregadas (com fim de garantir a igualdade ou gerando a tirania). 
Natureza e princípio são diferenciações expostas por Montesquieu para estudar os tipos de regime de formas diferentes: uma é sobre quem exerce o poder e outra é sobre como o poder é exercido. As definições sobre natureza chegam a lembrar as teorias aristotélica sobre tipologias, no entanto, o que complementa a “idéia numérica” clássica é aquilo que fundamenta a obra de Montesquieu: a lei. Para falar sobre os princípios dos governos, Montesquieu desenvolve idéias sobre o funcionamento desses regimes, o que os fazem movimentar, o que influi na sociedade.

Da natureza e princípio da democracia
Dessa forma, a natureza da república (que não existia na antiguidade) é o poder soberano sendo exercido pelo povo, por meio de um corpo ou somente uma parcela dele e, sendo o povo o que faz executar as leis, sente ele próprio está sujeito  elas e que sofrerá seu peso. Nesse tipo de regime, Montesquieu subdivide a república em democracia e aristocracia. Como princípio, a virtude deve ser o que rege o homem nesses tipos de governo para que não haja comprometimento dos interesses comuns.
O princípio da virtude na democracia tem um peso maior no Senado, por exercer poder de veto às leis. Isso os dá o privilégio de revogar o caráter democrático do regime. Outra questão avaliada com atenção é a representatividade do povo: nem mais, nem menos. O número de representantes deve ser suficiente para que os momentos de decisão, de elaboração de leis, sejam organizados, para que não haja colapso.
A corrupção desse governo acontecerá quando se perder o espírito de igualdade ou também quando ele assumir espírito de extrema igualdade. Nesse último caso, o povo poderá perder o respeito por seus representantes, sentindo cada um, apto a também representar-se no senado uma vez que é igual àquele que foi eleito. Esse sentimento levaria o cidadão ao despotismo de um só, conforme avalia Montesquieu ao falar sobre a corrupção do princípio da democracia.
Da natureza e princípio da aristocracia
Nesse governo virtude é ainda mais necessária, a ambição dos representantes poderia levar a república à ruína. A falta de virtude – colocar interesses próprios à frente dos interesses coletivos – é ainda mais tentadora para esse público que tem fortes necessidades de autoconservação.  Na aristocracia, o governo pode manter-se de duas formas: virtude maior (formando uma grande república) ou virtude menor (moderação que torna, pelo menos, os nobres iguais entre si, estabelecendo sua própria conservação).
O espírito de moderação é o próprio espírito de igualdade na aristocracia. Por isso, as leis devem sempre favorecer esse equilíbrio. Um exemplo é as leis sobre o comércio. Na democracia Montesquieu defende que todas as leis devem favorecê-lo, pois o povo encontraria a igualdade nele, elevando o gosto e necessidade pelo trabalho e dividindo as riquezas derivadas das atividades comerciais. Por outro lado, na aristocracia, o comércio deveria ser vetado aos nobres uma vez que suas reputações os levariam ao monopólio.
Sobre o Estado aristocrático, cabe ainda a análise do barão sobre a desigualdade de fortunas. Elas geram tão desiguais virtudes, levando os representantes com facilidade à perda do espírito de moderação deixando-os próximos à corrupção do governo.
Apesar de não ter o objetivo de apontar o melhor regime político, Montesquieu caminha para uma crítica explícita à República, comparando-a a uma presa cuja força não passa do poder de alguns cidadãos e da licença de todos.

Da natureza e princípio da monarquia
Como natureza, uma única pessoa governa por meio de leis fundamentais. Honra, princípio que acompanha a monarquia, é, segundo Montesquieu, quem movimenta as partes do corpo político fazendo com que as partes do corpo monárquico, o que inclui os nobres, dirijam-se para o bem-comum, acreditando servir seus próprios interesses particulares. As leis devem ter relação direta com a honra, assim como, na república, devem servir como base a garantir a igualdade. Elas devem ser o elo entre o príncipe e o povo.
Aqui, as leis tomam lugar de todas as virtudes dispensadas na monarquia. A ambição não é perigosa nesse regime como é na aristocracia ou democracia, pois pode ser freada sempre que necessária, já que apenas um poder pode combater o outro. Assim, a ambição e os interesses particulares se opõem, evitando um governo déspota, o que acaba beneficiando o povo por “salvá-los” do medo e terror da tirania.
A questão da propriedade é fundamental para a gestão das leis monárquicas, pois essas legislações poderão provocar insatisfação popular ou levar o reino a ficar enfraquecido.
O gosto pelo poder moderador existente na monarquia fica evidente nos capítulos que seguem sobre a “presteza da execução na monarquia” e sobre a “excelência do governo monárquico”. Para Montesquieu, a vantagem da monarquia sobre a república é que os negócios públicos são geridos por uma só pessoa, o que garante mais presteza na execução. E as vantagens sobre os governos déspotas dizem respeito ao apoio que o príncipe tem na constituição. Isso garante ao governante mais estabilidade e segurança uma vez que os déspotas não possuem nada que possa regulamentar o coração de seus povos ou o seu próprio. Assim, os monarcas são mais felizes que os tiranos, pois conseguem manter o povo ao seu lado, ao contrário daqueles ameaçados pelo horror provocado pelo governante, que esperam a primeira oportunidade para fugir dele ou se rebelar contra ele. 

Da natureza e princípio do governo despótico
Assim como na monarquia, apenas um governa. Nesse sentido, o poder de ambos é igual. No entanto, a grande diferença está na obediência que um tem às regras e na arbitrariedade que acomete o outro.
No governo despótico, tudo é submetido às vontades e aos caprichos de seu príncipe. O temor e o medo é o princípio para que o governante consiga alcançar seus objetivos. Montesquieu define de tal forma: não existe nele temperamento, modificação, acordos, termos equivalentes, conferências, admoestações, nada de melhor ou igual a ser proposto: o homem é uma criatura que obedece a outra.
Montesquieu estuda a relatividade das leis nesse governo. Diz que a povos temerosos, ignorantes e abatidos não há necessidade de muitas leis: o déspota é a lei. A conservação do Estado na verdade é a conservação do próprio príncipe, de seu palácio.
Apenas uma lei pode fazer vezes de oposição às vontades do príncipe: a religiosa. Isso porque são preceitos superiores aos quais tanto o rei quanto os súditos estão submetidos. É o único momento no qual é possível encontrar certo espírito de igualdade nesse governo. É o que faz com que o governo tenha um pouco de correção. Em nenhum outro governo as leis religiosas têm mais influência elas são “o temor acrescido ao temor”.

Análise geral
Em suas reflexões gerais, Montesquieu deixa claro que, dentre os tipos de governo, os princípios originais possam sofrer desfigurações e até mesmo misturas de princípios. Que as formas puras não existem por completo, que sofrem influências de outros princípios.
Fica clara a essencialidade das leis nos governos que as admitem e da necessidade que existe em criá-las para que haja estabilidade, governabilidade e, sobretudo, a igualdade – o que seria a virtude política. 

Liberdade política e seus mecanismos institucionais
A definição de liberdade traz consigo complexas significações. Isso porque ela está atrelada com um modo de entendimento subjetivo. Ou seja, não é uma fórmula matemática com um mesmo caminho a ser seguido até encontrar-se seu resultado exato. Cada governo pode entender a liberdade de acordo com suas inclinações ou costumes, conforme o consenso de Maquiavel.
Em seu livro, no qual trata o tema da liberdade (e liberdade política), ele exemplifica as diversas formas de entendimento sobre ela em sociedades diferentes. Isso para provar que o conceito é realmente complexo, dependente dos diversos aspectos sociais que os povos apresentam.
Assim, Montesquieu introduz gradativamente suas análises sobre a liberdade política. Uma importante consideração é em relação ao censo de que ela existe nas repúblicas e não nas monarquias. Ele traça nesse ponto uma observação sobre como a liberdade do povo confunde-se com o poder do povo, pois a liberdade política não consiste em se fazer o que se quer, mas sim o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
A partir dessa afirmação, Montesquieu vai localizar onde, em sua tese, encontra-se a liberdade política: nos governos moderados. Conforme os livros anteriores, os governos moderados estão presentes em sua melhor forma na monarquia onde o um poder pode conter outro poder.
Os estudos que se seguem na obra são baseados no caso da constituição da Inglaterra, na qual Montesquieu identifica os mecanismos utilizados para garantia da liberdade política: a divisão do poder em legislativo, executivo do estado e judiciário. O autor faz essa análise voltando-se à divisão dos poderes e remete os sistemas a um estudo sobre suas relações aos princípios dos governos tipificados por ele.
À medida que se aprofunda mais no tema, Montesquieu apresenta definições mais completas sobre a liberdade política:
“A liberdade política, em um cidadão é essa tranqüilidade de espírito que decorre da opinião que cada um tem de sua segurança; e, para que se tenha essa liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo um cidadão não possa temer outro cidadão” (MONTESQUIEU, 166, 2007).

Para que o sentimento de segurança ocorra e para que haja a liberdade, o funcionamento do governo é fundamental. A elaboração das leis, sua aplicação e o julgamento de seus descumprimentos formam o tripé para que a máquina funcione. No entanto, a forma como ela funciona também é importante para que não ocorra a corrupção do governo.
Mesmo com a existência dos três poderes, se eles existirem em um só, o governo caminha facilmente para o despotismo. Assim, se o legislador for também o juiz, haverá imparcialidade e muito poder por um único corpo. Cumpre dizer que o despotismo nesse caso ocorreria com um corpo e não com uma única pessoa. No entanto, mesmo assim, a tirania estaria caracterizada. O poder de julgar, segundo Montesquieu, deve ser atribuído ao corpo do povo, mas não de forma permanente para evitar o vício. Essa rotatividade de representantes é o que faz com que o sistema seja sólido, uma vez que deve ser constante e uniforme o modo: “teme-se a magistratura, não os magistrados”.
O direito de escolher o representante também é uma forma de garantia da liberdade política. Dessa forma, não uma única vontade estaria expressa e sim os interesses de uma coletividade fariam parte do governo através da elaboração de leis e também no judiciário. A representação deve ser algo instituído uma vez que, para Montesquieu, o povo é incapaz de tomar resoluções ativas sobre certas coisas. O poder executivo estaria melhor representado nas mãos do monarca enquanto o legislativo, nas mãos dos demais representantes da sociedade.
Sendo as leis elaboradas pelos escolhidos do povo, o sentimento de dever cumpri-las ganha maior peso, uma vez que ele também se sente atuante no governo por meio de seus representantes.
A intervenção do executivo para a realização de reuniões periódicas do legislativo também é um mecanismo para forçar que a liberdade política seja mantida. Caso a lei não tivesse certa dinâmica, o governo poderia chegar ao anarquismo e, se algumas resoluções legais fossem tomas pelo executivo, o poder imbricado ganharia a conotação de absolutista, o que, em uma ou outra situação, levaria o sistema a degenerar a liberdade política.
A elaboração de leis sobre a arrecadação da receita pública não deve ser estatuída pelo executivo porque, segundo Montesquieu, ele se tornará o legislativo no ponto mais importante da legislação. Ele também atesta que o estado, perdendo sua liberdade política, será arruinado. Isso acontecerá quando o legislativo for mais corrupto que o executivo.
Para finalizar, o livro que trata sobre a liberdade política, Montesquieu diz não querer examinar se os ingleses, com sua constituição, desfrutam dela. Quer antes, dizer que a liberdade política é estabelecida pelas leis.
Em sua última análise sobre a liberdade política e os três poderes, cita que a liberdade tem como objetivo imediato a glória dos cidadãos, do Estado e do príncipe. E cada um dos poderes tem uma função para a garantia da liberdade política, mesmo que um deles esteja mais perto que o outro, avalia que cumprem seu papel, uma vez que se não se aproximassem da liberdade política, a monarquia viraria despotismo.
Mesmo não sendo a idéia principal da obra do pensador francês, após a análise da importância das leis, tipos de governo e divisão dos poderes, é possível identificar uma predileção pelo modelo monárquico com sua divisão de poderes, o que se aproximaria mais de um governo moderado e garantidor da liberdade e da igualdade.

O Federalista
Democracia e República e suas funções de representação
Os artigos que deram origem ao “O Federalista” foram publicados em 1788 pela imprensa de Nova Iorque e expressavam o apoio de três autores à Constituição pelos Estados: Alexander Hamilton, James Madison e John Jay.
O principal esforço dos artigos concentra-se, primeiramente, a argumentar e persuadir os cidadãos sobre a necessidade da instauração de uma União dos Estados onde o bem-comum estaria representado da melhor maneira. Assim, os interesses particulares de um grupo de pessoas estariam representados no âmbito estadual, sem causar grande impacto nacional ao ponto de prejudicar a soberania do bem-comum. A União faria o papel de moderar as forças dos interesses particulares. A Constituição proposta seria um misto dos princípios nacional e federal.
Cabe aos autores de “O Federalista” abarcar as idéias clássicas e, até mesmo conjunturais, como acontece em Rousseau e Montesquieu, de que o governo capaz de representar o povo da melhor forma é o monárquico. Isso porque o Novo Mundo era uma experiência singular, onde não era possível a aplicação das teorias políticas passadas. A inexistência de um monarca, por exemplo, invalidava o percurso ideológico político proposto anteriormente. Como liberais que eram, queriam mostrar que a expansão comercial não abocanharia a possibilidade de um governo popular, mesmo sendo necessária, para isso, maior abrangência territorial (o que para Montesquieu torna a república impraticável, conforme os exemplos clássicos).
 O conceito de democracia para os Federalistas se afasta da idéia de liberdade e igualdade defendida por Montesquieu, pois ela representa a instituição de uma facção majoritária que teria como fim a opressão às minorias. James Madison adverte que, quando a maioria toma parte numa facção, a forma do governo popular pode dar-lhe os meios de sacrificar às suas paixões ou interesses o bem público e os direitos dos outros cidadãos. Isso acabaria com a liberdade e igualdade, além de poder facilmente degenerar em tirania. Seria nos governos populares que os interessados em acabar com a liberdade buscariam abrigo para voltar-se depois contra eles. Ainda segundo um dos artigos que compõe “O Federalista”, Madison alerta sobre o perigo:
“A instabilidade, a injustiça e a confusão nos conselhos públicos são as moléstias mortais que por toda parte têm feito perecer os governos populares, e nesta fonte tão fecunda de lugares-comuns é que os inimigos da liberdade vão buscar as suas declamações com melhor êxito e mais predileção” (MADISON, 1979, 94).
Dessa forma, fica evidente a idéia dos federalistas sobre o perigo de uma república puramente democrática. Além de abraçar uma maioria opressora, abrigaria nela governantes dispostos a usufruir das necessidades do povo para se eleger para depois revelar-se tirano.
A questão da propriedade é central para as discussões dos federalistas acerca da existência das facções. Assim, segundo Madison, a natureza humana encerraria germes escondidos de facções. Portanto, seria impossível acabar com as facções uma vez que o homem é movido pela sua conservação, isso inclui a conservação de suas idéias. Nesse ponto, é possível identificar uma aproximação entre os federalistas e os pensadores contratualistas John Locke no que diz respeito ao espírito da auto-conservação e da proteção à propriedade privada.
Como se conclui que a extinção das facções é impossível e inviável, o que os federalistas procuram alcançar com o inédito modelo político proposto é evitar o poder opressor das maiorias, porém de forma que elas também sejam parte integrante do Governo. A nova constituição deveria, então, trazer o tal remédio republicano para males republicanos, como diziam os federalistas. Isto é, institucionalizar a representação popular de forma a fazer com que ela fosse um poder capaz de evitar a soberania de outro poder, e não que fosse um instrumento de degeneração. Essa seria a forma de neutralizar a democracia pura, as facções majoritárias. Daí a afirmação entre os federalistas de que seria possível uma república com interesses comerciais, porém sem deixar o governo popular de lado.
A república defendida pelos federalistas seria um governo representativo, justamente o mecanismo capaz de neutralizar as facções. Nela, todos os poderes são dados de forma direta ou indiretamente pelo povo e seus representantes têm poder temporário. Como diferenciação ao modelo democrático puro, a república federalista é mais vasta e tem o número de cidadãos muito maior, no entanto, os poderes são exercidos por um número pequeno de indivíduos, escolhido pelo povo. Tanto para os federalistas quanto para Montesquieu, o povo seria incapaz de ele mesmo exercer o poder, por isso, nos dois casos, a representação política é vista como forma ideal.
Em forte oposição a Montesquieu, no que diz respeito à incompatibilidade da democracia em um território vasto, é justamente o que, para os federalistas, torna os planos dos facciosos menos temíveis na república. Uma vez que os interesses particulares ou opressores encontrariam mais diversidade e, com isso, maior dificuldade de agregar outras forças opressoras a si, os interesses comuns permaneceriam intactos, blindados pela Constituição Nacional.
Para o funcionamento correto dessa república idealizada pelos federalistas, a representação é seu fundamento. Dessa maneira, os mecanismos utilizados para manter as limitações necessárias dos poderes antagônicos encontram-se na ordem eletiva dessas representações.
James Madison, em seu artigo sobre a conformidade do plano proposto com os princípios republicanos, descreve o que ficou estabelecido na Convenção que se seguia para a construção da Constituição Nacional. Assim, destaca que a Câmara dos Representantes é eleita diretamente pelo povo. Já o Senado e o Judiciário têm suas nomeações feitas pelo povo de forma indireta.
No entanto, o mecanismo de poder misto é um grande trunfo para os federalistas. Com isso, a interdependência e a ponderação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário seria o que impediria um poder exacerbado de um ou outro poder. Assim, se o povo, ou a facção majoritária, escolheu diretamente os representantes do legislativo, o senado faria a ponderação desses interesses tendo o poder de veto, evitando, assim, a supremacia popular que quase sempre agiria contra o interesse das minorias. Esse sistema difere-se do proposto no sistema Inglês estudado por Montesquieu, pois o Senado, nesse caso, é eleita como uma segunda câmara legislativa, à qual a primeira estará submetida para evitar excessos de poder.

Montesquieu e os Federalistas x Maquiavel e os Contratualistas
Oposições, concordâncias e complementação são palavras que acompanham o desenvolvimento da história do pensamento. É impossível que uma idéia nasça sem uma semente plantada por algum outro pensador. Como haveria oposição se não existisse uma idéia prévia? E assim se constroem as inovações ou a atualização dos pensamentos.
É claro que nem todo pensador é capaz de fazer com que sua idéia perdure na história ou que se faça universal. No caso de Maquiavel, Montesquieu, Thomas Hobbes, John Locke, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, as inovações, cada qual em seu tempo e em circunstâncias históricas específicas, fizeram com que a história do pensamento político fosse notadamente modificada.
Maquiavel já havia causado grande inquietação na sociedade do século XVI quando revolucionou o sentido clássico de virtude. Dois séculos mais tarde, Montesquieu revoluciona a revolução de Maquiavel no que diz respeito ao conceito de virtude, transformando-a em virtude política. Isso porque Montesquieu traz também uma grande ruptura com as idéias clássicas sobre Lei e sobre tipificação de governos.
Em Montesquieu, não cabe mais a lei divina como forma de reger a sociedade e esse foi o principal fator para estudar as leis positivas, àquelas criadas pelos homens, como forma de se alcançar a liberdade e a igualdade entre os homens. Muito diferente do que pretendia Maquiavel, quando procurava uma fórmula para a estabilidade do governo monárquico que, na época, não tinha o mecanismo moderador para barrar seus excessos.
A defesa da monarquia era atributo essencial e o único naturalmente possível na época de Maquiavel. O florentino não mexe nas questões de tipos de governos que ficaram na antiguidade de Aristóteles. Já no caso de Montesquieu, um de seus méritos foi o de retomar a idéia clássica de tipos de governo e trazê-la ao seu tempo, propondo uma verdadeira mudança de ponto de vista. Naturezas e princípios inovadores e a necessidade das leis passam a permear a monarquia, a república e o despotismo. Para Maquiavel, o Príncipe não teria uma única lei, agiria de acordo com as circunstâncias a fim de garantir sempre a estabilidade do governo.
Dessa forma, é possível avaliar as inovações de Montesquieu em relação a Maquiavel em dois pontos: no que se refere à defesa da liberdade e igualdade, elevando a virtude política a um ponto em que o homem seria capaz de abdicar de interesses pessoais em prol de um bem-comum. Nesse ponto, a instituição do poder moderador é uma necessidade vital para o sucesso do governo. E no que se refere aos tipos de governo, tema que Maquiavel não havia tocado como forma de encontrar uma solução para o problema da instabilidade governamental de sua época. Também aqui os tipos de governo analisados vêm acompanhados com o objetivo de elevar a soberania do governo de maneira que ele não se transforme em tirano (essa preocupação inexistia na moral e na ética proposta aos príncipes por Maquiavel).
Os federalistas não se afastam tanto dos contratualistas como ocorre entre Maquiavel e Montesquieu. A idéia de que “o homem não é anjo” e de proteção à propriedade privada demonstram certa continuidade do pensamento do direito natural.
No entanto, a idéia de Hobbes sobre a necessidade de um poder soberano para controlar o homem belicoso é descartada. A monarquia ou o poder tirano não são admitidos no pensamento dos federalistas. Eles buscam, antes, uma maneira de neutralizar os males da república popular, as forças opressoras que os impediriam de atingir objetivos liberais sobre o comércio. Assim, todo o povo seria responsável não somente pela elaboração das leis, mas também pela sua manutenção e julgamento dos concidadãos em relação a essas regras. O soberano, nesse caso, é o próprio povo que através de mecanismos institucionais de representação garantem sua participação no governo.
A defesa à propriedade privada aparece em John Locke e também nos federalistas. No entanto, nesses últimos passa por uma mudança importante em relação ao mecanismo institucional de sua garantia. Enquanto em Locke essa garantia tem uma soberania instituída pelo poder supremo do legislativo em relação aos demais poderes, nos federalistas essa garantia se daria por um mecanismo de moderação entre os poderes. Tendo o poder de evitar arbitrariedades, os representantes alcançariam o objetivo de evitar que a maioria popular, muitas vezes interessa na tomada das propriedades privadas, pudessem ferir o direito de defender a propriedade privada.
Assim, os diferentes pensamentos se complementam e se opõem trazendo como resultado teses importantes que fazem parte do desenvolvimento da própria humanidade. Discordar ou aprofundar essas idéias é o que movimenta a história.

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