domingo, 6 de fevereiro de 2011

Participação no programa Sambarbudos, o Podcast

Nasci na época errada

Eu vejo
o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grande novidades...

Trecho de "O Tempo Não Pára", Cazuza


 

O tempo não para mais é fácil encontrar um lugar para o passado


 


 


 

 


 

Você assiste ao filme "Em Ritmo de Aventura", de Roberto Carlos, gravado em 1968 e ouve a frase: "é uma brasa mora". Acha que seria muito divertido se essa expressão fosse usada hoje em dia. No dia seguinte, ouve "Beatles" e pensa: "que CPM 22 que nada. Isso sim é que era música". Um sinal de alerta se ascende em seu cérebro e você acha que deve ter nascido na época errada. Calma! Não se sinta o último dos moicanos, não precisa procurar um psicólogo. Esse tipo de comportamento é mais comum do que você imagina.

Segundo o mestre em Análise do Comportamento, Nicodemus Batista Borges, estamos diante da "ressurgência", um fenômeno comportamental em que o jovem, não satisfeito com as condições atuais, busca, no passado, referências que deram certo. O movimento renascentista que se passou entre os séculos XV e XVI, e tem como grande ícone Leonardo Davinci, pode ser considerado como um comportamento de ressurgência. Os artistas, insaisfeitos com o total domínio da igreja, inclusive na arte, redescobrem o modelo artístico e a literatura da Grécia e de Roma, como o estudo cientifico do corpo humano e do mundo natural e a intenção de reproduzir com realismo as formas da natureza. Agregando novos conhecimentos técnicos às descobertas antigas, buscaram alternativas para renovar o presente. Os renascentistas inauguraram a pintura moderna voltando-se para a antiguidade.

Andando pela rua ou indo a uma balada, são poucos os jovens que se diferenciam, seja no papo, no gosto musical ou nas roupas. A maioria veste as mesmas peças da grife da moda, falam sobre os mesmos assuntos e dançam ao som das mesmas músicas. Quando aparece alguém que sabe falar sobre influencias musicais de artistas antigos, ou que conheça movimentos passados, é logo visto com desconfiança. Pois, destoa da maioria. Esse foi outro ponto abordado pelo aspecto ressaltado por Borges: a questão da busca de referências do passado como forma de diferenciação. "É uma tentativa desses jovens de buscar uma identidade diferenciada, pois a nossa cultura na atualidade, tem reforçado as semelhanças", afirma o especialista.


 

Para muitos jovens, ser um estranho no ninho é uma forma de se destacar, rejeitar a mesmice. Atualmente, existe o agrupamento em pequenos guetos, afim de conseguir uma maior sensação de reconhecimento e proteção. No entanto, até estes grupos podem ser considerados como modismo, uma vez que há o engajamento em "ser diferente" como uma forma de identificação.

Com as antigas tradições pouco repassadas entre as gerações, é muito difícil identificar hoje jovens que se dedicam a alguma atividade ou que aderem a comportamentos "ultrapassados" por influência familiar. É muito mais provável a descoberta dessas tradições em guetos do que no ambiente familiar. A individualidade dos tempos modernos mantém cada vez mais difícil a transmissão de conhecimento dentro da família. Dessa forma, é muito mais simples manter os jovens afastados de antigos valores

fazendo-os se aproximar do que é comum ou do que é moda.

Os poucos que trazem de casa referências tradicionais, têm um comportamento natural de reconhecer o passado como forma de interelacionar o presente e alcançar a procurada "identidade diferente". É justamente na inter-relação entre o velho e o novo que está o segredo de saber olhar pelo retrovisor.

Em raros casos, há negação total do presente entre jovens que se interessam por antiguidades. O radicalismo fica só para nossos avós que não conseguiram acompanhar o ritmo frenético da modernização. Hoje, é muito mais comum a mistura entre o que há de melhor entre uma época e outro do que a recusa em viver o presente.

Rapazotes e moçoilas, alcançar com a vista o avelhantado, pode ser uma forma de encontrar-se com o modo mais perfeito do que há de vir a ser na esfera armilar.

Se você não entendeu, talvez seja importante ver a tradução ao final da matéria e começar a olhar o retrovisor com mais atenção.


 


 

 


 

Desde os primórdios, até hoje em dia, o homem ainda faz o que o macaco fazia...

trecho de "Homem Primata", Titãs


 

 

Cadeiras da década de 50, instrumentos antigos e um jeito, diríamos, antiquado de tratar Clientes. O ambiente retrô não combina com os atuais salões de beleza. Mas combina com um dos mais jovens barbeiros de São Paulo. O contraste entre o antigo e o moderno, forma uma divertida mistura na figura de Adriano Lopes Pinto, 35, que há 15 anos pratica o ofício tradicional do pai.

A dedicação a uma das profissões mais antigas do mundo só tem uma explicação: "Torcedor da portuguesa e barbeiro... você já ouviu uma criança falando que vai ser barbeiro quando crescer? Foi um lance do meu pai". Afirma Kacique, como é conhecido por todos.

Não foi preciso voltar à Grécia antiga, onde surgiram as primeiras barbearias para admirar a profissão. A escolha deu certo e é um exemplo de que manter uma tradição pode ser uma forma interessante de viver a modernidade.

Com muita descontração, diz que foi com os antigos que aprendeu o trato com os clientes. "Foi assim que eu aprendi a perguntar: qual é sua graça?". Além disso, tem uma variedade muito grande de clientes, inclusive idosos que preservam mais do que ninguém o costume de ir a uma barbearia. Este vasto catalogo de pessoas, propicia conhecimentos diversos e contato a experiência dos antigos, reafirmando ainda mais as tradições. "É como se fosse uma faculdade a vida inteira. Você aprende com vários professores" completa o Lopes. A antiga imagem do barbeiro, aquele que fazia sangrias, era um pouco médico, um pouco dentista, ainda são referências que a profissão carrega.

Apesar da separação dessas atividades, tornando o barbeiro unicamente um profissional que corta cabelo e faz barba de homens, a pompa e credibilidade são refletidas no dia-a-dia de Adriano. Com um repertório incalculável, alguns clientes querem saber a opinião do "barbeiro" sobre um determinado assunto. Ele é interpretado como uma pessoa que vê as situações de diversos pontos de vista diferentes, ou melhor, de vários pontos de cabeças diferentes.

Alguns clientes já sugeriram a reforma do salão, mas Kacique se nega. Diz que a graça é manter tudo como há 50 anos. E com certeza a decoração do lugar não é motivo para a perda de clientes. Ao contrario, seu público aumenta cada vez mais entre jovens, crianças e idosos.

Não é só na profissão diurna que Kacique remonta o passado. Músico e produtor, tem uma banda chamada Dr. Zero. No último CD da banda, "Cadê meu chá?", além de dedicar uma música que atualiza os fãs do seriado mexicano, Chaves, febre nacional desde de o final da década de 80, faz uma versão do hit "O meu Sangue Ferve por Você". A música estourou nas paradas com a interpretação de Sidney Magal e com a onda "brega", ou trash, voltou a fazer a cabeça de muitos jovens. A versão modernizada ganha uma roupagem nova e atraente na mistura de Reaggae, Rap e Pop-Rock . Prova de que é possível mixar passado e presente para formar um futuro muito mais criativo. E é isso que Adriano Lopes Pinto faz, seja na barbearia, no jeito retrô de se vestir durante os shows ou em suas alquimias musicais.


 

Para saber mais:


No site freerecords.com.br, está disponível o último disco da banda do músico e barbeiro, Kacique. Vale a pena conhecer suas misturas musicais e cômicas.


 

 

A música em mim corre mais rápida que o tempo...

Trecho de "A música em mim", Lucina


 

 

Até pouco tempo atrás, do ponto de vista da escolha musical, os adolescentes procuravam acompanhar as novas tendências do mercado da música e o surgimento de artistas e bandas a cada dia. Para a maioria deles o avanço da tecnologia só fez progredir a qualidade e os gêneros musicais.

Porém já diz o ditado "que toda regra tem sua exceção". E partindo desse ponto de vista notamos o surgimento de um grupo de adolescentes que gosta de retroceder no tempo quando a questão é música. Jovens que ao invés de acompanhar a evolução fonográfica deste século encontram prazer no tempo dos Hippies.

Essa tendência encontra relação tanto com fatores internos que estão relacionados á questão familiar quanto aos agentes externos. "tenho certa influência de vários estilos, o meu pai gosta de uma coisa, a minha mãe de outra, o meu primo de outra, mas tudo meio antigo, digamos assim. Aprendi a entender o que eles escutavam e mesmo hoje eu absorvo certas coisas e outras não", diz a estudante Isabela Campos Pinheiro, 18 anos. Torna-se uma tradição: os pais ensinam seus filhos sobre seus gostos e estes posteriormente agregam isso á seus valores.

Por outro lado o contexto histórico e o comportamento social também influenciam o gosto musical segundo a estudante. "Se pudesse voltaria para aquela época dos hippies, acho legal, pelos seus valores, por uma questão de consciência. Hoje a rebeldia está muito sem causa. Tinha um porque das coisas, as pessoas se questionavam." A liberdade excessiva concedida para o estudante, o torna uma pessoa sem "conteúdo" para expressar suas vontades. E questões de educação, respeito e valor perdem força mediante as transformações de caráter da sociedade.

Essa escolha "antigo refinada" adotada por Isabela se manifesta ao ouvir a banda Kiss que emplacou multidões na década 1970 com seu estilo Hard Core de cantar. Entre as preferidas pelo Movimento Retrô Musical destacam se os clássicos do Rock na década de 70, MPB e a Velha Guarda.

A questão do preconceito também é um fator que norteia a vida de quem prefere ouvir músicas antigas. A conseqüência disso é o surgimento de comentários entre os amigos e é nesta hora que o adolescente descobre realmente a importância que essa escolha representa em sua vida. A maioria não se importa e sabe impor sua vontade como é o caso da estudante Isabela Campos: "Em determinados momentos eu me sinto por fora, mas, eu conheço pessoas que gostam das mesmas coisas que eu. Não me acho diferente"

Esse resgate por estilos e tendências antigos não engloba só o campo musical. Atinge a cinema, arquitetura, moda, entre outros e deve ser encarado como uma forma de encontrar prazer nas coisas mais simples. Pode ser que o avanço da tecnologia esteja ficando estagnado e não proporcione mais aos olhos da camada mais jovem da população o mesmo prazer e alegria que acompanharam o amadurecimento de seus pais e parte de sua infância. Será isso o futuro de uma parte dessa geração? Voltar ao passado?


 

 


 


 


 

Esporte de velho...


 


 


 


 


 

 

Boné virado para trás, espinhas na cara, olhos atentos, assistindo ao jogo concentrado enquanto espera a sua vez. É assim a rotina do estudante Ivan Mesquita de 16 anos, quando está no Centro Cultural de São Paulo. Vários jogos acontecendo e ele é o único jovem, em meio a senhores e jovem senhores com idade que variam entre 40 a 70 anos.

Ivan aprendeu a jogar xadrez com os pais, com 4 anos de idade. O amor pelo jogo é tão grande que o estudante já repetiu várias vezes na escola porque teve que faltar para participar de torneios. Mas ao contrário do muitas pessoas possam pensar, o estudante não se considera antigo, nem tão pouco retrô: "na escola, só eu que jogo, os outros acham diferente, eu acho normal."


 

Os demais freqüentadores, que costumam jogar com Ivan, não escondem que o garoto é quieto, não fala muito sobre si mesmo, mas joga muito bem. O eletricista Vicente Lopes, 40 anos, explica o perfil do jovem jogador: "Todo mundo que eu vi, que tem um nível mais alto de xadrez, esses meninos mais jovens são mais quietos, mais fechados".

Segundo o fitoterapeuta, Benito Leonel Pinoti de 39 anos, também adorador de xadrez, os jogadores são muito estereotipados, não tem somente senhores aposentados, ou CDF's de aparelho nos dentes jogando, há sim, uma variedade de perfil dos jogadores.

O jogo de xadrez teve a sua origem na Índia, e a forma atual de jogo, (como é esta forma) surgiu na europa

 


 


 


 


 

Que coisa de vovozinha, que nada!


 

 

Uma jovem sentada na varanda, com agulhas e linhas de crochê, fazendo um casaquinho para a sobrinha. Mais estranho que isso, é só se nos garantirem que existe vida em marte. Algumas jovens devem achar mais estranho a vida em marte, já que o crochê faz parte de suas vidas. A estudante Jade Laurentino, hoje com 27 anos, aprendeu a fazer crochê aos 12 anos, com uma vizinha que morava em frente a sua casa e ganhava a vida vendendo as peças produzidas.

Para a estudante, a mãe foi também uma influência: "comecei a me interessar por artes manuais quando ainda era pequena. Acho que a minha mãe influenciou indiretamente neste meu interesse. Ela pintava quadros, vitrais, confeccionava peças em gesso, isopor, enfim, era voltada para o artesanato."

    Ninguém sabe ao certo onde esta arte manual, tão cultuada no tempo de nossas vovozinhas, surgiu. Pesquisas arqueológicas recentes mostram que o crochê teve origem na China, sendo usada como uma forma de costura. O crochê se aprimorou nos tempos da renascença, se alastrando por toda a Europa na época da Revolução Francesa, com a fuga dos nobres para outros países.

O apogeu do crochê aconteceu na Irlanda, no século XIX, quando transformando-se em grande industria artesanal. O mesmo ocorreu na França onde crescia igualmente o interesse pelo crochê, mas o trabalho feito à mão foi progressivamente substituído pela produção industrial.

A técnica, que anteriormente passava de geração em geração, em uma tradição que aliava transmissão do conhecimento de forma oral e manual, passou a ser objeto de livros, nos quais se publicavam os pontos básicos seguidos de inúmeros projetos e modelos.

Segundo Jade, um dos motivos para o crochê ser considerado tão antiquado foi justamente à industrialização: "o artesanato em geral é considerado coisa de vó pela industrialização que nós temos. Por que irão pagar caro por uma mão de obra que uma máquina substitui? Por que pagar caro por um trabalho que em geral é demorado se com uma máquina, várias peças podem ser reproduzidas?".

A recepcionista Solange Aguiar, 28 anos, aprendeu crochê no ano passado com a sua irmã, que por sua vez, aprendeu com uma amiga. Nos tempos remotos, aquele mesmo da nossa vovozinha, as mulheres preparavam-se apenas para casar. Fazia parte do currículo da boa esposa, saber tocar piano, aprender outras línguas, fazer crochê e outras artes manuais.

Quando a mulher começa a sair de casa para trabalhar, a formação, antes voltada para o casamento, passa a ser dedicada a obter postos melhores no mercado de trabalho. Começa a faltar tempo para as atividades manuais, e as mães destas mulheres morrem com o conhecimento sem passar a elas. Encerrando-se assim, a tradição do crochê.


 

 

A recepcionista acredita que este foi um dos motivos para o declínio das artes manuais: "As artes manuais são consideradas coisa de velho porque antigamente as mulheres não trabalhavam e ocupavam o seu tempo com as atividades domésticas, fazendo crochê, tricô, bordado, enxovais".

Solange, que programa uma viagem para o ano que vem, usa o dinheiro das peças feitas com o crochê para ajudar na realização do sonho de botar o pé na estrada. Lamenta apenas a falta de tempo, pois trabalha oito horas diárias. Ao contrário de Solange, Jade não esconde a sua falta de habilidade para a venda: "em geral eu não ganho dinheiro, primeiro porque tenho vergonha de oferecer, não sei vender o produto. Sempre tive esse problema, muitas vezes eu acabo até dando de presente porque a pessoa pergunta quanto é e eu não consigo responder."

Não pensem que estas moças a moda antiga param no crochê, ano passado a estudante aprendeu a fazer ponto cruz e adorou. Solange arrisca alguns trabalhos no barbante. Embora poucas jovens façam trabalhos manuais hoje em dia, elas costumam gostar das peças: "Mas as pessoas gostam desse tipo de trabalho, tanto que já vi várias vezes paninhos imitando os pontos de crochê feitos em plástico." E, afinal de contas, as peças produzidas com o crochê nunca saíram de moda, basta nos lembrarmos da flor no cabelo da ex Big Brother Siri. A peça ganhou o gosto popular e vendeu como água, na época.

 


 


 


 


 

Filme antigo pode trazer coisas novas


 


 

 


 

Os grandes sucessos do mercado cinematográfico da década de 70 tornam-se atrativo para uma classe de adolescentes que encontra na essência do cinema antigo algo de qualidade e que os faz feliz.
Estamos falando de jovens que a modernidade e a tecnologia do cinema novo não conseguiu encantar como a maioria das pessoas. São adolescentes que buscam na cultura que o cinema antigo proporciona a qualidade no conteúdo abordado pelos filmes. "Gosto assistir filmes e seriados antigos. Os filmes de agora são bons também,  mas tem um problema, eles se preocupam mais com a estética do que com falas. Os filmes do passado são mais pensados. Os filmes de terror do passado, por exemplo, eram muito mais assustadores que do presente mesmo sem os efeitos especiais. Agora é só mostrar a cara de um bicho feio que já é terror.", diz o estudante Carlos Eduardo, 19 anos.
    Além de resgatar a cultura do cinema na década de 70 o estudante também prefere se vestir com trajes simples e gosta de coisas simples. "Eu adoro coisas antigas. Considero-me antigo porque tudo o que eu gosto, música, filmes, são do passado, gosto de coisas dos anos 70, gosto de mais coisas antigas que de hoje. Não me preocupo com roupa, gosto de roupas simples, mas o tipo de cabelo mais antigo, raspadinho." Isso é uma tendência que cresce a cada dia entre os adolescentes. Muitos não se identificam com as coisas que acompanham sua geração. Não encontram na complexidade do dia a dia o conteúdo que os faz entender o mundo em que vivem.
    Ter esse tipo de opinião muitas vezes limita o jovem que pode ser excluído por outros de sua idade ou confundido com uma pessoa que prefere à boa e velha companhia dos velinhos. Para Carlos Eduardo essa realidade não faz parte de sua vida. "Procuro pessoas da minha idade que pensam como eu, porque as pessoas mais velhas vão falar de coisas que não dá para a gente entender, que só quem esteve na época entende. Agora gente mais nova entende mais ou menos". O que nota-se diante desse tipo de comportamento é a necessidade que se faz de unir o passado e o presente na tentativa de constituir o futuro.Esse é um Movimento que de resgate do passado que cresce a cada dia. Tal acontecimento deve ser encarado como uma necessidade de resgate de valores.
    A liberdade e auto-suficiência alinhadas com a modernização da consciência social provocaram um efeito inesperado na classe dos adolescentes. O fácil virou complexo demais a ponto de querer ser seguido.

 


 


 

Para saber mais:


 

Não deixe de assistir Psicose, filme de Alfred Hitcock e It, uma obra prima do medo, baseado no livro de Stephen King.

 


 


 


 

Carlos Eduardo e suas amigas que "nasceram na época errada"


 


 


 


 

"Oh! que saudades que tenho da minha infância querida que os anos não trazem mais"
Trecho do poema "Meus Oito Anos", Casemiro de Abreu


 

 

Você já foi a uma balada onde as pessoas viram em cabalhotas e fazem coreografias para dançar ao som de "As Paquitas", "Menudos" e "Dominó"? E tudo isso, sem precisar estar bêbado ou drogado, em plana e sã consciência? Para muitos, essas relíquias da década de 80 ficaram esquecidas, ou lembram apenas que marcaram sua infância. Para tantos outros, como é o caso dos freqüentadores da festa Trash 80´s - uma balada diferente e que faz a década inesquecível tornar-se realidade- são vistos como verdadeiros sucessos atuais.

Os freqüentadores têm em média de 24 a 30 anos. Um público assíduo que encontra a possibilidade de remontar sua infância e, muitas vezes, se comportar como tal. Logo na porta de entrada, um cartaz informa a filosofia da festa: Preconceito de raça, cor, crença e opção sexual deve ser deixado de lado. Lá é possível ser o que se quiser ser. Sem limites e imposições. Por isso as pessoas convivem em harmonia, cada um respeitando o jeito de se vestir, falar, cantar e agir. Um lugar onde o clima nostálgico e cômico emite a magia de sentir-se criança.

"Quando se é criança, você não tem noção da gravidade dos problemas. Quando você entra na Trash, você vira criança. Você não tem problema". O dono desse pensamento, compartilhado por uma grande turma que participa da festa, é do vendedor Daniel Marcílio Caldeira, 23 anos. Ele diz que não é só a questão de ouvir músicas antigas que o faz viver a frase-código: "Não vou mais. Só de sexta". O clima de liberdade e o respeito às diferenças que compõe o lugar, são pontos chaves para querer continuar dedicando horas de seu final de semana a ser criança. Ir "só de sexta", quer dizer que, religiosamente, todas as sextas feiras do mês ele e os amigos, que encontrou por lá, fazem o mesmo ritual. "Se tivesse 5 sextas feiras no mês, eu iria 5 vezes", brinca Daniel.

No site da festa, há uma página inteira dedicada a "velharias" que marcaram a infância de muitos marmanjos na atualidade. Links de sites são organizados por categorias: infância, Cinema, Música, Moda e Comportamento, Dança e Arte, Televisão e Guias. Ou seja, é possível entrar no DeLorean, do excêntrico Dr. Brown e, como o jovem Marty McFly, voltar no tempo cruzando o espaço e depois voltar ao futuro. Aliás, esta referência também é da década de 80. Viu só? Fugir de referências que marcaram uma geração é quase impossível.

A fuga temporária da realidade, transportando para um passado feliz reflete o sentido de protesto inconsciente, como afirma a psicóloga Geórgia Guerra Papardenis Zilleg: "Um protesto inconsciente de que o presente não é tão perfeito como se imagina. Que muitas coisas do passado têm valores importantes".

Para Caldeira, é muito mais que um momento de descontração. É a possibilidade de encontrar pessoas desarmadas de prejulgamentos quanto ao estilo de roupa, tipo de cabelo, tipo de comportamento ou qualquer outra moral paralisante que se encontra na sociedade de hoje. Para esses jovens, poder ser criança não significa perder a noção do que é certo. É poder reviver momentos bons da infância sabendo o que a maturidade tem de melhor e transformar tudo isso em um refresco de groselha: fora de moda, mas colorido e doce.


 

 


 


 


 


 

 

Escreva uma carta, meu amor, me diga alguma coisa, por favor...

Trecho de "Escreva Uma Carta Meu Amor", Roberto Carlos


 

 


 

Quem imagina ficar horas com uma caneta na mão escrevendo cartas para desconhecidos em plena era tecnológica? Mesmo com a velocidade na comunicação que ferramentas como o orkut o msn e o e-mail proporcionam, a estudante Janice Santin de 17 anos, ainda faz cultiva este hábito. Isso mesmo, com a caneta em punho, a estudante escreve para um grupo de 15 correspondentes fixos, e espera religiosamente, até duas semanas por uma resposta, porque mantém contato, inclusive, como pessoas que moram no exterior.

A troca de correspondências, foi, durante muito tempo, o único meio de comunicação entre familiares, amigos ou namorados que moravam em outros Estados ou cidades. Já foi usada como forma de fazer negócios ou declarar guerras em todas as partes do mundo.A primeira troca de cartas que se tem notícia foi no Egito em 4.700 anos antes de Cristo, época em que "rápidos" mensageiros, os sigmanacis, levavam as mensagens a pé, a cavalo ou montados, em camelos.

O Brasil está repleto de fatos que ressaltam a importância das cartas em sua história: o país só foi oficialmente conhecido quando, em

1500 Pero Vaz de Caminha manda uma carta ao rei de Portugal contando as características de nossa terra recém descoberta, ou, quando ao ler uma carta da Imperatriz D. Leopoldina informando as novas exigências de Portugal, D. Pedro I, insatisfeito, declara em 7 de setembro de 1822 a independência do Brasil.

O primeiro correio regular surgido em terras tupiniquins foi inaugurado no dia 20 de janeiro de 1788, se restringia entre Portugal e Brasil, ligando também, a capital com as províncias. Os carteiros, como conhecemos hoje, ainda que não vestidos de uniformes amarelos e azuis, começaram a suas atividades só em 1844.

A estudante começou a trocar cartas desde cedo: "Eu trocava cartas quando era menor, tinha uns 11 anos, com amigas do Rio de Janeiro. Mas o tempo passa, vem a internet, acabamos parando de nos escrever" afirma Janice. Morada de Nova Bríscia, no Rio Grande do Sul, a estudante que se prepara para o vestibular de direito, só retornou ao ritual de mandar cartas ao descobrir um tópico chamado "Cartas Manuscritas", na comunidade "Maníacos Por Livros", na rede de relacionamentos orkut, e não se arrepende: "minha identificação foi tanta que me apaixonei pelo grupo, tanto que continuo firme e forte".

Não há como negar a diferença entre um e-mail e uma carta. O primeiro tende a ser mais enxuto, lacônico até, geralmente usado para dar notícias ou pedir conselhos rápidos sem qualquer tipo de aprofundamento. A carta, por ser mais demorada, tende a ser longa, detalhada, parece que o papel convida para declarações, confissões e até para contar histórias, além de ser eterna. Exceto, claro, em casos de incêndio. Foi valorizando estes aspectos que a estudante diz ter feito amizades verdadeiras e de laços fortes, aprendendo muita coisa, pois, segundo ela, cada um traz um aprendizado diferente, mesmo que inconscientemente, pelas missivas.


 

Sendo brega ou não, sendo coisa de velho ou não, a carta possibilita redescobrir novas formas de comunicação, está impregnada de um certo lirismo e romantismo perdido na era tecnológica, é capaz de aproximar pessoas tão diferentes com um objetivo em comum. "Pode até ser coisa de velho ficar trocando missivas e esperar dias por uma resposta sabendo que com e-mails é tudo mais rápido. Mas, não troco uma carta que seja por mil e-mails. Cada carta traz um "pedaço" de quem a escreveu, e demonstra que determinada pessoa tirou um pouco do seu precioso tempo (que nos dias de hoje é mesmo precioso) para me escrever", argumenta a jovem-antiga Janice.

 


 


 

Essa ciranda é de todos nós

Como surgem suas cirandas? “Escrevendo, lendo e cantando”.

Assim é Maria Madalena Correia do Nascimento, ou, simplesmente Lia de Itamaracá: descomplicada como a própria ciranda.
O jeito sério se desmancha quando fala sobre sua música. A resposta é rápida, sem reticências, quando perguntada sobre o que sente quando canta: Feliz!

A cirandeira e merendeira (isso faz questão de frisar), figura ilustre na Ilha de Itamaracá, Pernambuco, completou 64 anos em 12 de janeiro e parece ter disposição para muitos outros anos de ciranda. Sua voz forte completa a marcação do bombo, tocado enquanto cata para os brincantes. Mas o cenário não é sua casa. Não tem pé na areia de uma praia em Itamaracá. Os brincantes da cidade de pedra fizeram da iluminação do palco, a Lua e do chão de cimento, a areia branca.

Os paulistanos abriram espaço para Lia entrar.




O SESC Pompéia ficou em festa dia 13 de março para ouvir cirandas, loas de coco, maracatus e frevos. O repertório faz parte de “Ciranda de Ritmos”, o terceiro disco em 31 anos na carreia de Lia.

As letras simples falam sobre amor, “coisas” do nordeste ou, simplesmente, da própria ciranda. Tudo isso marcado com caixa, ganzá, surdo, trombone, saxofone e trompete faz com que a alma voe.

Mãos, pés e corpos flutuam, mesmo quando se está fora da roda.

A dança é democrática e fácil de se acompanhar. Talvez esteja aí o mistério da magia de cirandar: quando se entra na roda, não importa quem está ao lado. Pode ser velho, novo, rico ou pobre. As mãos podem ser finas, grandes, quentes ou suadas. Ali, tudo é uma coisa só. O movimento com os pés e mãos imitam o vai e vem das ondas e todos rodeiam sorrindo. Dá vontade de gritar: desce daí, Lia! Vem com a gente brincar!

Partidos Políticos na Coroa e na Modernidade

Introdução

Em 15 de junho de 1889 a família imperial brasileira saía do Teatro Sant’Ana após um concerto da violonista Giulietta Dionesi. Episódio, corriqueiro e freqüente, afinal os eventos e festas dos quais participavam a família real eram muitos: bailes, concertos e até festas populares. Mas o concerto do dia 15 de junho, ficaria marcado por um atentado de grande repercussão nas capas dos jornais e revistas da época: o português Adriano do Vale, 20 anos, teria gritado subitamente um “viva a República”, seguido de um tiro em direção à carruagem do imperador (Schwarcz, 2003). Há nesse fato, uma imensa representação do clima de efervescência em prol de uma República do Brasil. Apesar da ameaça real, a monarquia, na figura popularíssima de D. Pedro II tentava se segurar no poder, o que durou somente até 15 de novembro do mesmo ano, com o “golpe” da Proclamação da República.
O fim do regime monárquico revela o poder das manobras políticas do Partido Republicano, suplantando os dois grandes partidos políticos do Segundo Reinado: Conservadores e Liberais, ou ”saquaremas” e “luzias”. Apesar da extinção desses tradicionais partidos, cabe a eles grande período de alternância no poder parlamentar do Império, o que nos oferece episódios de contradição, concorrência e “disputa” no cenário político eleitoral da época. Formas de representação popular e ideologias partidárias são interessantes temas dessa trama enredada, principalmente entre 1840 e 1889.
Muito diferente do que se entende por partidos políticos na contemporaneidade, naquele tempo não havia espaço para representações dos mais diferentes tipos de público eleitoral. Aliás, o próprio eleitorado era bem diferente. Mesmo com o enfraquecimento da escravidão dos últimos anos do reinado, não havia a participação do povo geral, muito menos dos negros e das mulheres. A aristocracia era parte do jogo, juntamente com o Poder Moderador de D. Pedro II, que elegia seus pares para o parlamento. Na linha de frente, era o imperador que escolhia os nomes em listas tríplices, obtidas por meio de eleição popular (Schwarcz, 2003, pg. 120).
Em poucos meses, o Brasil passará por mais uma eleição para a presidência da República. Desde o “golpe da república”, figurado por Deodoro da Fonseca, o país já teve 43 presidentes diferentes (Planalto). Ao contrário da política do final do século XIX, a situação partidária hoje é diversa. São 27 partidos registrados, representando diferentes segmentos da sociedade.
Mesmo com discrepantes diferenças nos cenários políticos e no dinâmico processo no campo das ciências políticas desde o período monárquico, cabem análises e comparações históricas entre os partidos políticos imperiais e os modernos conceitos acerca desses que são os grandes atores no palco da política.
As análises aqui apresentadas se têm como objetivo mostrar como é entendido o conceito de Partido Político hoje em dia, fazendo um paralelo com a estrutura que se formava durante governo de D. Pedro II. A história e representatividade dos dois grandes partidos do Império também serão tratadas como forma de expor ao leitor como se davam as relações de poder partidárias na época e, por fim, entrará em pauta a representação popular e eleição dos históricos partidos do Brasil Imperial.

Partidos Políticos na Coroa e na Modernidade

Nas eleições de outubro de 2010, os eleitores brasileiros participarão diretamente do jogo de disputa política entre 27 partidos. No entanto, essa aparente diversidade de propostas ideológicas, na essência, pode ser classificada em dois ou três grupos de interesses: partidos que defendem políticas públicas populares, aqueles que defendem e elegem o patronato e, mais isoladamente, a bancada verde. Independente de quais são os valores ideológicos, a questão essencial, que fundamenta a criação dos partidos políticos, em qualquer período histórico, de constituição, é uma só: a busca pelo poder que se apresenta com a chegada de um candidato ao cargo público.
A obra de Gianfranco Pasquino sobre partidos e sistemas políticos organiza os conceitos clássicos sobre o tema e oferece boas condições de analisar a construção do poder nesse sentido. Um dos argumentos apresentados por Pasquino, do suíço Stein Rokkan, expõe explicações genéticas sobre o nascimento dos partidos que dá conta de que a Revolução Industrial fornece condições especiais na formação dos agrupamentos partidários de interesses contrários aos do patronato: os das classes operárias (Pasquino, 2002, pg.156). A partir daí surgiriam os partidos de massa, o que de fato daria um novo ritmo às disputas e concorrências ao poder. Segundo o autor italiano, é a partir desse momento que as democracias ocidentais, por volta de 1920, se instalam através das eleições. Esse traço de democracia, de fato faltou às estruturas partidárias do Império. De longe, o que se via de oposição ao “empresário” da época (os latifundiários e senhores de engenho), eram os movimentos abolicionistas que influenciavam o cenário político, pressionando a monarquia a tomar algumas medidas, que foram feitas de forma gradual, de libertação dos escravos. No entanto, nunca chegaram a ganhar corpo de partido representativo no poder junto ao monarca. O fato é que, somente a partir do período regencial surgem, especialmente na figura dos Conservadores, os partidos políticos brasileiros, reforçando o elitismo que já andava pelos salões da Corte.
Outra definição sobre partidos políticos, também apresentada na obra de Pasquino, é do pensador Max Weber, que fala sobre a essência dos partidos políticos como organizações livremente criadas que pretendem fazer um recrutamento livre com a finalidade de sempre procurar votos em eleições para cargos públicos (Pasquino, 2002, pg. 154). Guardadas as proporções do conceito de recrutamento livre durante o período escravocrata, os objetivos e constituições partidárias no período monárquico não fogem tanto às definições weberianas.
Nos casos dos conservadores, conhecidos como saquaremas, a organização do partido surge em torno da região de forte produção cafeeira, o Vale do Paraíba. O objetivo era formar um partido que defendesse junto ao poder monárquico, ou seja, os interesses do comércio e dos senhores do crédito, comércio e crédito que nominam a fazendo, o engenho, o latifúndio. Para isso, precisariam estar nas cadeiras do Senado e na Câmara dos Deputados, mesmo com o Poder Moderador de D. Pedro II. Já o recrutamento dos liberais, à época chamados de luzias, acontecia em torno dos assuntos da cidade, da soberania popular que se concentraria na emancipação do município e da província (Faoro, 1975). A soberania popular era aquela voltada aos interesses elitistas e não das classes trabalhadoras, que ainda eram, em sua grande parte, compostas por escravos e que, portanto, não eram eleitores.
Embora se dissessem diferentes, eram pouco discerníveis quando no governo. Daí um refrão famoso do visconde de Albuquerque, perfeitamente aplicável às realidades contemporâneas: "Nada se assemelha mais a um 'saquarema' do que um 'Luzia’ no poder". Raymundo Faoro, em seu livro “Os donos do poder” interpreta: “o certo seria dizer que, no poder, nada separa um saquarema de um Luzia, mas o poder, na verdade, tem outra estrutura, independente do jogo cênico dos partidos em revezamento no ministério” Seriam eles, a opinião pública militante, legitimados plelas eleições, com o”povo” genuínamente representados (Faoro, 1975, pg. 342). Outra semelhança aos partidos contemporâneos: os Luzias ficaram conhecidos por adotar as propostas dos adversários sempre que voltavam ao poder (Schwarcz, 2003, pg. 122) .
Em alusão aos conceitos modernos de bipartidarismo e partido dos notáveis, é possível enquadrar os dois principais partidos da monarquia tanto em um como em outro conceito. Conservadores e Liberais revezaram-se no poder de 1837 a 1853, até a inauguração da “conciliação”, que marca uma nova orientação na política imperial, contendo representantes dos dois partidos nacionais (Schwarcz, 2003), sendo essa uma forma autêntica do bipartidarismo. No que se refere ao eleitorado, é dispensável citar os poderes econômicos e grandes influenciadores das elites que compunham o quadro dos partidos. Como mencionado, à época não existia a contraposição “trabalhadores VS patronato”, para que houvesse partidos de massa. Caso houvesse, uma tendência bem provável seria a de transformação desses partidos em pigliatutto, segundo elaboração de Otto Kirchheimer. Isso significa que a propensão de esses partidos expandirem ao máximo a sua base eleitoral de apoio, alargando-a a todos os eleitores e apoiadores possíveis, mesmo que houvesse prejuízo da sua própria identidade. Ou seja, a manutenção do poder é, certamente, mais importante que qualquer identidade ideológica que fundamente o partido. Isso era no Império e não deixa de ser hoje em dia.

Eleições

Todo partido visa à eleição por via da opinião pública (direta ou indiretamente), sendo seu maior objetivo ocupar um cargo público. Esse conceito é muito importante e fundamenta sua retomada para tratar justamente da forma como chegam ao poder. Na modernidade esse mecanismo tem a forte relevância no que diz respeito à participação popular através dos partidos de massa. É essa participação, por exemplo, que acirra as concorrências e impulsionam transformações nas bases partidárias que podem ir do recrutamento de candidatos e militantes, até mesmo a coligações e mudanças na identidade para agradar ao público eleitor. Já na monarquia, as eleições tinham um cunho bem diferente. Além de não se parecer nada com um sistema eleitoral democrático, ainda existia o quarto poder de D. Pedro II, o Poder Moderador, que tinha condições de veto no processo de eleição. Além dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, existia o recurso Moderador, que colocava “graxa nas rodas” da administração, como o próprio rei costuma falar sobre o uso de seu poder. No entanto, no que se refere ao processo eleitoral, essa “mãozinha” nos negócios políticos era mais decisiva do que D. Pedro II admitia. Por exemplo, o pretendente à vaga, deveria ter idade mínima de quarenta anos e, o mais importante, renda de 800 mil-réis anuais (Schwarcz, 2003. Pg. 120). O sistema eleitoral no período da monarquia merece destaque, pois ele, de certa forma, torna a existência dos partidos políticos artificiais, se analisados sob a ótica democrática, tal como concebemos atualmente.
Segundo Raymundo Faoro, o sistema se apoiava sobre pés de barro frágil e todos sabiam que as eleições pouco tinham a ver com a vontade do povo. O eleitorado era obediente ao governo, qualquer que fosse este, uma vez que fosse o poder que nomeia, que possui as armas e o pão (cit. in Faoro, 1975, pg. 343). As eleições, portanto, eram inautênticas e formadas pelos grupos sem raízes populares. Para além dessa falaciosa verdade sobre a participação do povo nas eleições, o rei, com seu Poder Moderador, governava sem governar. Deixava a adminstração nas mãos do conjunto político e intervinha quando achava que deveria. Segundo o próprio imperador observou “Eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa” (cit. in Faoro, 1975, pg. 344) .
O jogo político que se seguia em véspera de eleições, segundo Faoro mostrava o seguinte cenário:
“ o cidadão só perceberia, no poder público, o bacamarte, no dia da eleição; o voraz cobrador de impostos, na vida diária. No outro pólo, há um jantar a digerir, formado de empregos, alegrando com a promessa da carreira política”.

Assim como nas universidades européias, o sistema também tratava de prepara escolas para gerar letrados e bacharéias para ocupar cargos públicos, em comum acordo com o atendimento às exigências sociais. Essa situação, reforça a idéia de que nem um resquício de representação das massas poderia existir nos partidos políticos e nem nos sistemas de eleição. Baseando-se nesse cenário, é impossível identificar os conceitos modernos de participação política através do voto. Também não é possível pensar à época de D. Pedro II eleições em que pudessem participar todos os cidadãos fazendo funcionar os regimes democráticos, conforme definições de Pasquino. Mais uma vez, se confirma toda a artificialidade que inclui não só o sistema eleitoral, mas a idéia de participação política da opinião pública.

Conclusão

Fazer um exercício de volta ao passado histórico da política brasileira assume um caráter importantíssimo para que se compreenda as atuais definições sobre Partidos e Sistemas de Eleição. Voluntariamente as conexões entre o passado e o presente vão se construindo e assumindo posições críticas entre um pólo e outro. Sem dúvida, o caráter de manutenção do poder se revela cada vez mais claro nas relações políticas, seja no século XXI, seja no século XIX.
Por outro lado, a história da democracia evolui vertiginosamente, tornado quase irreconhecível alguns aspectos presentes na monarquia, especialmente no que se refere ao sistema de eleição. Outra mudança essencial, que fez toda a diferença nesse processo de evolução foi a condição necessária para a formação dos partidos de massa. Sem esse evento, provavelmente a política teria permanecido nas maõs dos notáveis de sempre, assim como teriam permanecido os saquaremas e os luzias, não fosse o golpe da república que os obrigou a migrarem de ideais para permanecerem no poder.
No que diz respeito a formação dos partidos políticos, para além da questão dos partidos de massa, não se revelaram traços tão distintos, tendo em vista que a associação partidária obedece sempre ao mesmo objetivo: sob a forma de eleição para cargos políticos, estar no poder e defender interesses, que raramente são os do povo, das minorias. Essa com certeza é uma semelhança que dificilmente dixaremos de encontrar na política ao longo das épocas. Creio que seja o gene imutável dessa fascinante história que é a própria política.

Referências Bibliográficas
Bobbio, N. (2007). Dicionário de Política. Brasília: Editora UNB.
Faoro, R. (1975). Os Donos do Poder. São Paulo: Editora Globo/ Editora da Universidade de São Paulo.
Fernandes, M. F. (2007). Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria , 277-301.
Pasquino, G. (2002). Curso de Ciência Política. Parede, Portugal: Pincípia.
Planalto. (s.d.). Acesso em 22 de junho de 2010, disponível em Planalto: /www.planalto.gov.br
Presidência da República Federativa do Brasil. (2006-2007). Fonte: Presidência da República Federativa do Brasil: www.planalto.gov.br
Schwarcz, L. M. (2003). As Barbas do Imperador. São Paulo: Companhia Das Letras.
Tribunal Superior Eleitoral. (s.d.). Acesso em 20 de Junho de 2010, disponível em Tribunal Superior Eleitoral: www.tse.gov.br

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre o Aboio

“Foi quando se escutou um grito que subia, um grito sobre-humano, agudíssimo, claro, tão nítido, que feria, tão forte que dominou a voz dos bois”
(Mário de Andrade)

A comunicação entre o homem sertanejo e seu rebanho. Assim pode ser definido o aboio, espécie de canto de trabalho entoado até hoje no sertão brasileiro. São melodiosos lamentos que carregam versos contendo a alma da vida sertaneja. A cadência lenta dos cantos é uma adaptação do andar vagaroso dos animais durante o pasto.
O aboio se divide em duas principais categorias, podendo ser um canto entoado sem palavras ou em versos enquanto o vaqueiro tange a boiada.
A origem do aboio em versos é moura, tendo vindo ao Brasil, provavelmente da Ilha da Madeira, segundo estudos do folclorista Luís da Câmara Cascudo. No entanto, a origem do nome aboio, segundo Cascudo, é brasileira, tendo sido incorporada pelos portugueses, já que em Portugal, aboioar significada colocar uma bóia em alguma coisa.
Os aboios sem versos, servem também para orientar os companheiros que se dispersam durante as pegas de gado. É comum, nessa modalidade, que o vaqueiro termine sua toada com algumas frases declamadas, sempre com temáticas relacionadas ao seu rebanho como, por exemplo, “ei, boi, ei, boizinho, eh, gado manso”.
Nos aboios versados pode-se observar grande sentido poético do vaqueiro, que tem seu rebanho não só como parte de seu trabalho, mas também como uma forma de relação familiar. Muitos aboios falam sobre a vida sofrida do sertão, e sobre uma relação íntima de amizade com o rebanho. É no momento da declamação, ou seja, do aboio, que esses versos ganham todo o sentido dramático e melódico, tornando o aboio uma espécie de desabafo, uma linguagem especial entre o homem e o animal. É para o seu rebanho que o vaqueiro entoa sua poesia.

Marx e a Miséria da Filosofia

Assim como a história, Marx não é uma constante. Ele é resultado de acontecimentos da história que lhe permitem mudar para ser o mesmo. Explico: a essência das idéias marxistas é a mesma, mas o amadurecimento delas passou por fases em que o próprio pensador pôde dar-lhes forma. Fala-se do jovem Marx, do sonhador Marx. Fala-se do Marx maduro, mais consciente de uma provável imutabilidade das coisas.
Nesse sentido, Karl Marx nos oferece um cardápio à francesa: entradas, pratos quentes, acompanhamentos e sobremesa. Ou seja, resumidamente, os manuscritos e ensaios iniciais, “Miséria da Filosofia”, “Manifesto Comunista” e “O Capital”. Os pensamentos contidos nesse menu leva-nos a um banquete de idéias. “Miséria da Filosofia” e “Manifesto comunista” seguem certa progressão dos pensamentos de Marx em relação à Luta de Classes, Revolução Proletária. Idéias essas, pouco exploradas 20 anos depois em “O Capital”.
Dentre as idéias desenvolvidas em “Miséria da filosofia”, o capítulo 5 trata sobre as greves e as coalizões operárias. Apesar de ser um capítulo curto, descreve com objetividade e clareza metodológica seus pensamentos sobre a ideologia econômica circulante na época e sua crítica em relação a ela. Também deixa claro o fio condutor que será retomado no “Manifesto Comunista”: a Revolução Proletária.
Para tanto, Marx utiliza sua metodologia de desvelamento da realidade aparente de forma muito interessante. Cita um discurso de Pierre- Joseph Proudhon sobre o encarecimento das mercadorias frente às concessões de aumento salarial pleiteado pela massa grevista, para então tecer uma desconstrução das afirmações feitas pelo filósofo político e econômico francês.
Marx chega a ironizar Proudhon de forma a deixar claro que ele é apenas um reflexo da ideologia economicista divulgada amplamente nos jornais de economia na Inglaterra. Dessa forma, Proudhon aparece como algo forjado, parte do sistema que mantém a ideologia dominante, burguesa.
Em outra passagem do capítulo, Marx desenvolve o papel dos contra-mestres ingleses - operários que eram dedicados aos fabricantes - nos comícios organizados em Bolton na época das agitações pela abolição das leis sobre os cereais, que beneficiavam os proprietários fundiários.
Marx acusa Proudhon de se valer das opiniões desses “operários” divulgadas pela imprensa comprometida com os fabricantes, como sendo essa parcela os verdadeiros operários e elevando-os a pessoas informadas sobre economia, livrando a classe: “Esta miséria faltava à Inglaterra: ela não cruzará o esteio”. Mais uma vez, fica clara a crítica marxista acerca da ideologia política e econômica em voga na época.
O pensador alemão passa por questões como greve, aumento de preços e salários para chegar à questão das coalizões entre operários. A legalidade das coalizões aconteceu em 1825 para que pudesse adequar a legislação do estado de coisas resultantes da livre concorrência. Uma forma de fortalecer aliança entre os proprietários para enfrentar melhor as regras de mercado que se formavam com a consolidação cada vez mais efetiva do capitalismo. Com essa legitimação, a coalizão entre os operários era também legalizada, o que causou um efeito desfavorável aos proprietários. Sabendo-se da força que poderia ser construída com a aliança entre os operários, era comum que economistas publicassem posições contrárias a elas, com discursos ameaçadores sobre a “perturbação do comércio e precipitação à introdução de máquinas que, tornando o seu trabalho parcialmente inútil, forçá-los-ão a aceitar um salário ainda mais baixo”. Outra ponta contrária às coalizões eram os socialistas que argumentavam sobre os prejuízos causados por um esforço de criar alianças serem muito maiores do que possíveis aumentos de salários que pudessem conquistar com as greves em grupos.
Para Marx, as coalizões dizem o lugar em que uma determinada classe operária está em seu país. Daí a importância desse capítulo de “Miséria da Filosofia”, pois as greves e as coalizões demonstram força, um embrião das associações, demonstram um movimento de resistência. Na idéia de “missão histórica do operariado”, as coalizões, segundo Marx, são passos importantes para que as lutas de classe em si ganhem o corpo da luta para si, levando os operários cada vez mais perto da sonhada Revolução Proletária, capaz de destruir o capitalismo com a explosão causada pelo choque entre os interesses opostos entre a burguesia a e o proletariado (conforme a ideologia presente na obra de Marx no momento da produção de “A Miséria da Filosofia”. Essa idéia será amadurecida e abandonada por Karl Marx em “O Capital”, 20 anos mais tarde).
Dessa maneira, O capítulo “As greves e as coalizões e operários”, que parece ser apenas um aperitivo do banquete, mostra-se como excelente entrada para as obras mais complexas e desenvolvidas do pensamento marxista.

Reportagem Multimídia - Apa Capivari-Monos

domingo, 30 de janeiro de 2011

Do Espírito das Leis, O Federalista vs Maquiavel, Hobbes e Locke

Do Espírito das Leis
O Conceito de Lei e a idéia de espírito da Lei
Virtude Política. A especificação desse termo em “Do Espírito das Leis”, obra de Montesquieu, é decisiva para alertar sobre um significativo rompimento com o pragmatismo político que rondava seu tempo. Muito embora o tema virtude tenha sido revisitado e revolucionado por Maquiavel aproximadamente dois séculos antes, foi nessa obra de Montesquieu que a virtude passou a ter um caráter terreno, realista, desmistificado. Com isso, o ineditismo do trabalho do barão foi muito além de analisar o que seria o homem virtuoso de seu tempo. Longe da virtude cristã, o que o autor observa é a virtude como sendo o amor à pátria e à igualdade. A partir dessa mola propulsora, Montesquieu desenvolve seus estudos sobre o que chamou de espírito das leis, pelo qual o homem de bem respeitando a legislação pode demonstrar sua virtude política. 
As leis, objeto de estudo do pensador francês, passam por uma analise aprofundada, ganhando significações abrangentes. Partilha de terras,comércio, tributações e impostos são temas em voga para garantia da igualdade quando Montesquieu passeia entre os tipos de governo que estuda. Para ele, o espírito das leis é o conjunto das relações contidas em uma nação (como o físico do país, clima, religião, costumes, riquezas, etc.) e as relações com o objetivo do legislador, com a ordem das coisas sobre as quais são estabelecidas. Isso significa que o aspecto legislativo passa a ser analisado sob ótica sociológica, buscando explicações sociais para sua criação. É o que estudiosos chamam de vanguarda no pensamento sociológico de Montesquieu.
Na concepção de lei pensada por Montesquieu, o acaso e o absurdo são excluídos. E com a influência da teoria física newtoniana, a constância e a uniformidade ganham espaço. O jusnaturalismo dos contratualistas também não tem continuidade em suas análises. O que interessa aqui é entender o funcionamento da sociedade pelos mecanismos legislativos.
No primeiro livro da obra “Do Espírito das Leis”, o autor trata a generalidade das leis, sendo possível, já nesse primeiro contato com sua obra, identificar a ruptura com o pensamento de leis divinas, religiosas. Para tanto, faz uma progressão de idéias sobre as leis, até chegar ao sentido do espírito das leis políticas:
“Como criatura sensível, (o homem) está sujeito a mil paixões. Um tal ser poderia a todo momento esquecer seu criador. Deus chamou-o a si pelas leis da religião. (...) Feito para viver em sociedade, ele (o homem) poderia esquecer-se dos seus semelhantes: os legisladores fizeram-no voltar aos seus deveres pelas leis políticas e civis” (MONTESQUIEU, p.18, 2007).
O homem, vivendo em sociedade, necessita de regras que os façam vigiar seus deveres, sendo impossível que a sociedade pudesse existir sem que houvessem leis para retomar o homem ao sentimento de coletividade, de virtude política.
O livro I passa pela explicação sobre as leis gerais, leis naturais e leis positivas. Todas as coisas são regidas por leis, não importando se são leis naturais, divinas ou criadas pelo homem. Essa é a relação que a lei tem com os diversos seres, como denomina o próprio Montesquieu em seu capítulo sobre a generalidade das leis.  Para analisar as leis naturais, o autor alerta sobre a necessidade de avaliar o homem nesse estado, ou seja, antes da vida em sociedade. A partir daí, traça quatro leis naturais, sendo a última a que culmina na necessidade de o homem viver em sociedade, fazendo a transição para a lógica da criação das leis positivas.
É justamente no que tange ao conceito de natureza do homem pré-social que Montesquieu contrapõe Hobbes, no que diz respeito ao estado de guerra constante em que vive o homem. O contratualista coloca o homem belicoso por natureza em um cenário da vida em sociedade, o que para Montesquieu é uma incoerência. Estando em sociedade, o homem deixou de viver na floresta, deixou de viver o medo e a fragilidade que o colocaria em um estado de paz e o colocou em uma posição onde encontraria motivação de conservação e, conseqüentemente, o tirou de seu estado de natureza genuína sendo necessárias as leis para relembrá-lo sobre o espírito coletivo.
De fato, o conceito de lei em Montesquieu extrapola explicações naturais e divinas e passa por um complexo entendimento sobre suas motivações e seu funcionamento social. Essa idéia é aprofundada quando o autor discute as tipologias de regime. Aliás, idéias que apresentam outra grande ruptura com concepções clássicas que até então existiam no pensamento político.

Formas de governo e as relações entre natureza e princípio
As tipificações dos regimes políticos elaborados por Montesquieu podem causar aos desavisados uma falsa impressão de repetição do período clássico. No entanto, o que ele faz é uma atualização desses preceitos gerando uma tese inovadora. É preciso dizer que até então, meados do século XVIII, o que ainda prevalecia era o modelo estático da teoria de Aristóteles sobre tipos de regimes.
Enquanto a tese aristotélica trazia uma tipificação basicamente numérica (um - monarquia, poucos – aristocracia e muitos - democracia) e a derivação de formas degeneradas desses governos (tirania, oligarquia e demagogia), Montesquieu divide em três formas: monarquia, república (democracia e aristocracia) e despotismo. Aqui, não se discute qual é o melhor regime como em Aristóteles. Nem se quer afirmar que o melhor homem é o virtuoso. Estudam-se como as leis podem ser essenciais para que uma determinada sociedade possa atingir, de alguma maneira, certa harmonia e equilíbrio entre os interesses comuns e particulares.
Respeitando as naturezas e os princípios de cada tipo de governo, Montesquieu analisa os impactos das leis sobre seus concidadãos, tendo em mente sempre a necessidade de se encontrar a igualdade. Dessa forma, leis sobre o comércio e herança, por exemplo, são passíveis de diferenciações nos variados governos, pois estão sujeitas a princípios diferentes o que muda totalmente a maneira como essas leis podem ser empregadas (com fim de garantir a igualdade ou gerando a tirania). 
Natureza e princípio são diferenciações expostas por Montesquieu para estudar os tipos de regime de formas diferentes: uma é sobre quem exerce o poder e outra é sobre como o poder é exercido. As definições sobre natureza chegam a lembrar as teorias aristotélica sobre tipologias, no entanto, o que complementa a “idéia numérica” clássica é aquilo que fundamenta a obra de Montesquieu: a lei. Para falar sobre os princípios dos governos, Montesquieu desenvolve idéias sobre o funcionamento desses regimes, o que os fazem movimentar, o que influi na sociedade.

Da natureza e princípio da democracia
Dessa forma, a natureza da república (que não existia na antiguidade) é o poder soberano sendo exercido pelo povo, por meio de um corpo ou somente uma parcela dele e, sendo o povo o que faz executar as leis, sente ele próprio está sujeito  elas e que sofrerá seu peso. Nesse tipo de regime, Montesquieu subdivide a república em democracia e aristocracia. Como princípio, a virtude deve ser o que rege o homem nesses tipos de governo para que não haja comprometimento dos interesses comuns.
O princípio da virtude na democracia tem um peso maior no Senado, por exercer poder de veto às leis. Isso os dá o privilégio de revogar o caráter democrático do regime. Outra questão avaliada com atenção é a representatividade do povo: nem mais, nem menos. O número de representantes deve ser suficiente para que os momentos de decisão, de elaboração de leis, sejam organizados, para que não haja colapso.
A corrupção desse governo acontecerá quando se perder o espírito de igualdade ou também quando ele assumir espírito de extrema igualdade. Nesse último caso, o povo poderá perder o respeito por seus representantes, sentindo cada um, apto a também representar-se no senado uma vez que é igual àquele que foi eleito. Esse sentimento levaria o cidadão ao despotismo de um só, conforme avalia Montesquieu ao falar sobre a corrupção do princípio da democracia.
Da natureza e princípio da aristocracia
Nesse governo virtude é ainda mais necessária, a ambição dos representantes poderia levar a república à ruína. A falta de virtude – colocar interesses próprios à frente dos interesses coletivos – é ainda mais tentadora para esse público que tem fortes necessidades de autoconservação.  Na aristocracia, o governo pode manter-se de duas formas: virtude maior (formando uma grande república) ou virtude menor (moderação que torna, pelo menos, os nobres iguais entre si, estabelecendo sua própria conservação).
O espírito de moderação é o próprio espírito de igualdade na aristocracia. Por isso, as leis devem sempre favorecer esse equilíbrio. Um exemplo é as leis sobre o comércio. Na democracia Montesquieu defende que todas as leis devem favorecê-lo, pois o povo encontraria a igualdade nele, elevando o gosto e necessidade pelo trabalho e dividindo as riquezas derivadas das atividades comerciais. Por outro lado, na aristocracia, o comércio deveria ser vetado aos nobres uma vez que suas reputações os levariam ao monopólio.
Sobre o Estado aristocrático, cabe ainda a análise do barão sobre a desigualdade de fortunas. Elas geram tão desiguais virtudes, levando os representantes com facilidade à perda do espírito de moderação deixando-os próximos à corrupção do governo.
Apesar de não ter o objetivo de apontar o melhor regime político, Montesquieu caminha para uma crítica explícita à República, comparando-a a uma presa cuja força não passa do poder de alguns cidadãos e da licença de todos.

Da natureza e princípio da monarquia
Como natureza, uma única pessoa governa por meio de leis fundamentais. Honra, princípio que acompanha a monarquia, é, segundo Montesquieu, quem movimenta as partes do corpo político fazendo com que as partes do corpo monárquico, o que inclui os nobres, dirijam-se para o bem-comum, acreditando servir seus próprios interesses particulares. As leis devem ter relação direta com a honra, assim como, na república, devem servir como base a garantir a igualdade. Elas devem ser o elo entre o príncipe e o povo.
Aqui, as leis tomam lugar de todas as virtudes dispensadas na monarquia. A ambição não é perigosa nesse regime como é na aristocracia ou democracia, pois pode ser freada sempre que necessária, já que apenas um poder pode combater o outro. Assim, a ambição e os interesses particulares se opõem, evitando um governo déspota, o que acaba beneficiando o povo por “salvá-los” do medo e terror da tirania.
A questão da propriedade é fundamental para a gestão das leis monárquicas, pois essas legislações poderão provocar insatisfação popular ou levar o reino a ficar enfraquecido.
O gosto pelo poder moderador existente na monarquia fica evidente nos capítulos que seguem sobre a “presteza da execução na monarquia” e sobre a “excelência do governo monárquico”. Para Montesquieu, a vantagem da monarquia sobre a república é que os negócios públicos são geridos por uma só pessoa, o que garante mais presteza na execução. E as vantagens sobre os governos déspotas dizem respeito ao apoio que o príncipe tem na constituição. Isso garante ao governante mais estabilidade e segurança uma vez que os déspotas não possuem nada que possa regulamentar o coração de seus povos ou o seu próprio. Assim, os monarcas são mais felizes que os tiranos, pois conseguem manter o povo ao seu lado, ao contrário daqueles ameaçados pelo horror provocado pelo governante, que esperam a primeira oportunidade para fugir dele ou se rebelar contra ele. 

Da natureza e princípio do governo despótico
Assim como na monarquia, apenas um governa. Nesse sentido, o poder de ambos é igual. No entanto, a grande diferença está na obediência que um tem às regras e na arbitrariedade que acomete o outro.
No governo despótico, tudo é submetido às vontades e aos caprichos de seu príncipe. O temor e o medo é o princípio para que o governante consiga alcançar seus objetivos. Montesquieu define de tal forma: não existe nele temperamento, modificação, acordos, termos equivalentes, conferências, admoestações, nada de melhor ou igual a ser proposto: o homem é uma criatura que obedece a outra.
Montesquieu estuda a relatividade das leis nesse governo. Diz que a povos temerosos, ignorantes e abatidos não há necessidade de muitas leis: o déspota é a lei. A conservação do Estado na verdade é a conservação do próprio príncipe, de seu palácio.
Apenas uma lei pode fazer vezes de oposição às vontades do príncipe: a religiosa. Isso porque são preceitos superiores aos quais tanto o rei quanto os súditos estão submetidos. É o único momento no qual é possível encontrar certo espírito de igualdade nesse governo. É o que faz com que o governo tenha um pouco de correção. Em nenhum outro governo as leis religiosas têm mais influência elas são “o temor acrescido ao temor”.

Análise geral
Em suas reflexões gerais, Montesquieu deixa claro que, dentre os tipos de governo, os princípios originais possam sofrer desfigurações e até mesmo misturas de princípios. Que as formas puras não existem por completo, que sofrem influências de outros princípios.
Fica clara a essencialidade das leis nos governos que as admitem e da necessidade que existe em criá-las para que haja estabilidade, governabilidade e, sobretudo, a igualdade – o que seria a virtude política. 

Liberdade política e seus mecanismos institucionais
A definição de liberdade traz consigo complexas significações. Isso porque ela está atrelada com um modo de entendimento subjetivo. Ou seja, não é uma fórmula matemática com um mesmo caminho a ser seguido até encontrar-se seu resultado exato. Cada governo pode entender a liberdade de acordo com suas inclinações ou costumes, conforme o consenso de Maquiavel.
Em seu livro, no qual trata o tema da liberdade (e liberdade política), ele exemplifica as diversas formas de entendimento sobre ela em sociedades diferentes. Isso para provar que o conceito é realmente complexo, dependente dos diversos aspectos sociais que os povos apresentam.
Assim, Montesquieu introduz gradativamente suas análises sobre a liberdade política. Uma importante consideração é em relação ao censo de que ela existe nas repúblicas e não nas monarquias. Ele traça nesse ponto uma observação sobre como a liberdade do povo confunde-se com o poder do povo, pois a liberdade política não consiste em se fazer o que se quer, mas sim o direito de fazer tudo o que as leis permitem.
A partir dessa afirmação, Montesquieu vai localizar onde, em sua tese, encontra-se a liberdade política: nos governos moderados. Conforme os livros anteriores, os governos moderados estão presentes em sua melhor forma na monarquia onde o um poder pode conter outro poder.
Os estudos que se seguem na obra são baseados no caso da constituição da Inglaterra, na qual Montesquieu identifica os mecanismos utilizados para garantia da liberdade política: a divisão do poder em legislativo, executivo do estado e judiciário. O autor faz essa análise voltando-se à divisão dos poderes e remete os sistemas a um estudo sobre suas relações aos princípios dos governos tipificados por ele.
À medida que se aprofunda mais no tema, Montesquieu apresenta definições mais completas sobre a liberdade política:
“A liberdade política, em um cidadão é essa tranqüilidade de espírito que decorre da opinião que cada um tem de sua segurança; e, para que se tenha essa liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo um cidadão não possa temer outro cidadão” (MONTESQUIEU, 166, 2007).

Para que o sentimento de segurança ocorra e para que haja a liberdade, o funcionamento do governo é fundamental. A elaboração das leis, sua aplicação e o julgamento de seus descumprimentos formam o tripé para que a máquina funcione. No entanto, a forma como ela funciona também é importante para que não ocorra a corrupção do governo.
Mesmo com a existência dos três poderes, se eles existirem em um só, o governo caminha facilmente para o despotismo. Assim, se o legislador for também o juiz, haverá imparcialidade e muito poder por um único corpo. Cumpre dizer que o despotismo nesse caso ocorreria com um corpo e não com uma única pessoa. No entanto, mesmo assim, a tirania estaria caracterizada. O poder de julgar, segundo Montesquieu, deve ser atribuído ao corpo do povo, mas não de forma permanente para evitar o vício. Essa rotatividade de representantes é o que faz com que o sistema seja sólido, uma vez que deve ser constante e uniforme o modo: “teme-se a magistratura, não os magistrados”.
O direito de escolher o representante também é uma forma de garantia da liberdade política. Dessa forma, não uma única vontade estaria expressa e sim os interesses de uma coletividade fariam parte do governo através da elaboração de leis e também no judiciário. A representação deve ser algo instituído uma vez que, para Montesquieu, o povo é incapaz de tomar resoluções ativas sobre certas coisas. O poder executivo estaria melhor representado nas mãos do monarca enquanto o legislativo, nas mãos dos demais representantes da sociedade.
Sendo as leis elaboradas pelos escolhidos do povo, o sentimento de dever cumpri-las ganha maior peso, uma vez que ele também se sente atuante no governo por meio de seus representantes.
A intervenção do executivo para a realização de reuniões periódicas do legislativo também é um mecanismo para forçar que a liberdade política seja mantida. Caso a lei não tivesse certa dinâmica, o governo poderia chegar ao anarquismo e, se algumas resoluções legais fossem tomas pelo executivo, o poder imbricado ganharia a conotação de absolutista, o que, em uma ou outra situação, levaria o sistema a degenerar a liberdade política.
A elaboração de leis sobre a arrecadação da receita pública não deve ser estatuída pelo executivo porque, segundo Montesquieu, ele se tornará o legislativo no ponto mais importante da legislação. Ele também atesta que o estado, perdendo sua liberdade política, será arruinado. Isso acontecerá quando o legislativo for mais corrupto que o executivo.
Para finalizar, o livro que trata sobre a liberdade política, Montesquieu diz não querer examinar se os ingleses, com sua constituição, desfrutam dela. Quer antes, dizer que a liberdade política é estabelecida pelas leis.
Em sua última análise sobre a liberdade política e os três poderes, cita que a liberdade tem como objetivo imediato a glória dos cidadãos, do Estado e do príncipe. E cada um dos poderes tem uma função para a garantia da liberdade política, mesmo que um deles esteja mais perto que o outro, avalia que cumprem seu papel, uma vez que se não se aproximassem da liberdade política, a monarquia viraria despotismo.
Mesmo não sendo a idéia principal da obra do pensador francês, após a análise da importância das leis, tipos de governo e divisão dos poderes, é possível identificar uma predileção pelo modelo monárquico com sua divisão de poderes, o que se aproximaria mais de um governo moderado e garantidor da liberdade e da igualdade.

O Federalista
Democracia e República e suas funções de representação
Os artigos que deram origem ao “O Federalista” foram publicados em 1788 pela imprensa de Nova Iorque e expressavam o apoio de três autores à Constituição pelos Estados: Alexander Hamilton, James Madison e John Jay.
O principal esforço dos artigos concentra-se, primeiramente, a argumentar e persuadir os cidadãos sobre a necessidade da instauração de uma União dos Estados onde o bem-comum estaria representado da melhor maneira. Assim, os interesses particulares de um grupo de pessoas estariam representados no âmbito estadual, sem causar grande impacto nacional ao ponto de prejudicar a soberania do bem-comum. A União faria o papel de moderar as forças dos interesses particulares. A Constituição proposta seria um misto dos princípios nacional e federal.
Cabe aos autores de “O Federalista” abarcar as idéias clássicas e, até mesmo conjunturais, como acontece em Rousseau e Montesquieu, de que o governo capaz de representar o povo da melhor forma é o monárquico. Isso porque o Novo Mundo era uma experiência singular, onde não era possível a aplicação das teorias políticas passadas. A inexistência de um monarca, por exemplo, invalidava o percurso ideológico político proposto anteriormente. Como liberais que eram, queriam mostrar que a expansão comercial não abocanharia a possibilidade de um governo popular, mesmo sendo necessária, para isso, maior abrangência territorial (o que para Montesquieu torna a república impraticável, conforme os exemplos clássicos).
 O conceito de democracia para os Federalistas se afasta da idéia de liberdade e igualdade defendida por Montesquieu, pois ela representa a instituição de uma facção majoritária que teria como fim a opressão às minorias. James Madison adverte que, quando a maioria toma parte numa facção, a forma do governo popular pode dar-lhe os meios de sacrificar às suas paixões ou interesses o bem público e os direitos dos outros cidadãos. Isso acabaria com a liberdade e igualdade, além de poder facilmente degenerar em tirania. Seria nos governos populares que os interessados em acabar com a liberdade buscariam abrigo para voltar-se depois contra eles. Ainda segundo um dos artigos que compõe “O Federalista”, Madison alerta sobre o perigo:
“A instabilidade, a injustiça e a confusão nos conselhos públicos são as moléstias mortais que por toda parte têm feito perecer os governos populares, e nesta fonte tão fecunda de lugares-comuns é que os inimigos da liberdade vão buscar as suas declamações com melhor êxito e mais predileção” (MADISON, 1979, 94).
Dessa forma, fica evidente a idéia dos federalistas sobre o perigo de uma república puramente democrática. Além de abraçar uma maioria opressora, abrigaria nela governantes dispostos a usufruir das necessidades do povo para se eleger para depois revelar-se tirano.
A questão da propriedade é central para as discussões dos federalistas acerca da existência das facções. Assim, segundo Madison, a natureza humana encerraria germes escondidos de facções. Portanto, seria impossível acabar com as facções uma vez que o homem é movido pela sua conservação, isso inclui a conservação de suas idéias. Nesse ponto, é possível identificar uma aproximação entre os federalistas e os pensadores contratualistas John Locke no que diz respeito ao espírito da auto-conservação e da proteção à propriedade privada.
Como se conclui que a extinção das facções é impossível e inviável, o que os federalistas procuram alcançar com o inédito modelo político proposto é evitar o poder opressor das maiorias, porém de forma que elas também sejam parte integrante do Governo. A nova constituição deveria, então, trazer o tal remédio republicano para males republicanos, como diziam os federalistas. Isto é, institucionalizar a representação popular de forma a fazer com que ela fosse um poder capaz de evitar a soberania de outro poder, e não que fosse um instrumento de degeneração. Essa seria a forma de neutralizar a democracia pura, as facções majoritárias. Daí a afirmação entre os federalistas de que seria possível uma república com interesses comerciais, porém sem deixar o governo popular de lado.
A república defendida pelos federalistas seria um governo representativo, justamente o mecanismo capaz de neutralizar as facções. Nela, todos os poderes são dados de forma direta ou indiretamente pelo povo e seus representantes têm poder temporário. Como diferenciação ao modelo democrático puro, a república federalista é mais vasta e tem o número de cidadãos muito maior, no entanto, os poderes são exercidos por um número pequeno de indivíduos, escolhido pelo povo. Tanto para os federalistas quanto para Montesquieu, o povo seria incapaz de ele mesmo exercer o poder, por isso, nos dois casos, a representação política é vista como forma ideal.
Em forte oposição a Montesquieu, no que diz respeito à incompatibilidade da democracia em um território vasto, é justamente o que, para os federalistas, torna os planos dos facciosos menos temíveis na república. Uma vez que os interesses particulares ou opressores encontrariam mais diversidade e, com isso, maior dificuldade de agregar outras forças opressoras a si, os interesses comuns permaneceriam intactos, blindados pela Constituição Nacional.
Para o funcionamento correto dessa república idealizada pelos federalistas, a representação é seu fundamento. Dessa maneira, os mecanismos utilizados para manter as limitações necessárias dos poderes antagônicos encontram-se na ordem eletiva dessas representações.
James Madison, em seu artigo sobre a conformidade do plano proposto com os princípios republicanos, descreve o que ficou estabelecido na Convenção que se seguia para a construção da Constituição Nacional. Assim, destaca que a Câmara dos Representantes é eleita diretamente pelo povo. Já o Senado e o Judiciário têm suas nomeações feitas pelo povo de forma indireta.
No entanto, o mecanismo de poder misto é um grande trunfo para os federalistas. Com isso, a interdependência e a ponderação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário seria o que impediria um poder exacerbado de um ou outro poder. Assim, se o povo, ou a facção majoritária, escolheu diretamente os representantes do legislativo, o senado faria a ponderação desses interesses tendo o poder de veto, evitando, assim, a supremacia popular que quase sempre agiria contra o interesse das minorias. Esse sistema difere-se do proposto no sistema Inglês estudado por Montesquieu, pois o Senado, nesse caso, é eleita como uma segunda câmara legislativa, à qual a primeira estará submetida para evitar excessos de poder.

Montesquieu e os Federalistas x Maquiavel e os Contratualistas
Oposições, concordâncias e complementação são palavras que acompanham o desenvolvimento da história do pensamento. É impossível que uma idéia nasça sem uma semente plantada por algum outro pensador. Como haveria oposição se não existisse uma idéia prévia? E assim se constroem as inovações ou a atualização dos pensamentos.
É claro que nem todo pensador é capaz de fazer com que sua idéia perdure na história ou que se faça universal. No caso de Maquiavel, Montesquieu, Thomas Hobbes, John Locke, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, as inovações, cada qual em seu tempo e em circunstâncias históricas específicas, fizeram com que a história do pensamento político fosse notadamente modificada.
Maquiavel já havia causado grande inquietação na sociedade do século XVI quando revolucionou o sentido clássico de virtude. Dois séculos mais tarde, Montesquieu revoluciona a revolução de Maquiavel no que diz respeito ao conceito de virtude, transformando-a em virtude política. Isso porque Montesquieu traz também uma grande ruptura com as idéias clássicas sobre Lei e sobre tipificação de governos.
Em Montesquieu, não cabe mais a lei divina como forma de reger a sociedade e esse foi o principal fator para estudar as leis positivas, àquelas criadas pelos homens, como forma de se alcançar a liberdade e a igualdade entre os homens. Muito diferente do que pretendia Maquiavel, quando procurava uma fórmula para a estabilidade do governo monárquico que, na época, não tinha o mecanismo moderador para barrar seus excessos.
A defesa da monarquia era atributo essencial e o único naturalmente possível na época de Maquiavel. O florentino não mexe nas questões de tipos de governos que ficaram na antiguidade de Aristóteles. Já no caso de Montesquieu, um de seus méritos foi o de retomar a idéia clássica de tipos de governo e trazê-la ao seu tempo, propondo uma verdadeira mudança de ponto de vista. Naturezas e princípios inovadores e a necessidade das leis passam a permear a monarquia, a república e o despotismo. Para Maquiavel, o Príncipe não teria uma única lei, agiria de acordo com as circunstâncias a fim de garantir sempre a estabilidade do governo.
Dessa forma, é possível avaliar as inovações de Montesquieu em relação a Maquiavel em dois pontos: no que se refere à defesa da liberdade e igualdade, elevando a virtude política a um ponto em que o homem seria capaz de abdicar de interesses pessoais em prol de um bem-comum. Nesse ponto, a instituição do poder moderador é uma necessidade vital para o sucesso do governo. E no que se refere aos tipos de governo, tema que Maquiavel não havia tocado como forma de encontrar uma solução para o problema da instabilidade governamental de sua época. Também aqui os tipos de governo analisados vêm acompanhados com o objetivo de elevar a soberania do governo de maneira que ele não se transforme em tirano (essa preocupação inexistia na moral e na ética proposta aos príncipes por Maquiavel).
Os federalistas não se afastam tanto dos contratualistas como ocorre entre Maquiavel e Montesquieu. A idéia de que “o homem não é anjo” e de proteção à propriedade privada demonstram certa continuidade do pensamento do direito natural.
No entanto, a idéia de Hobbes sobre a necessidade de um poder soberano para controlar o homem belicoso é descartada. A monarquia ou o poder tirano não são admitidos no pensamento dos federalistas. Eles buscam, antes, uma maneira de neutralizar os males da república popular, as forças opressoras que os impediriam de atingir objetivos liberais sobre o comércio. Assim, todo o povo seria responsável não somente pela elaboração das leis, mas também pela sua manutenção e julgamento dos concidadãos em relação a essas regras. O soberano, nesse caso, é o próprio povo que através de mecanismos institucionais de representação garantem sua participação no governo.
A defesa à propriedade privada aparece em John Locke e também nos federalistas. No entanto, nesses últimos passa por uma mudança importante em relação ao mecanismo institucional de sua garantia. Enquanto em Locke essa garantia tem uma soberania instituída pelo poder supremo do legislativo em relação aos demais poderes, nos federalistas essa garantia se daria por um mecanismo de moderação entre os poderes. Tendo o poder de evitar arbitrariedades, os representantes alcançariam o objetivo de evitar que a maioria popular, muitas vezes interessa na tomada das propriedades privadas, pudessem ferir o direito de defender a propriedade privada.
Assim, os diferentes pensamentos se complementam e se opõem trazendo como resultado teses importantes que fazem parte do desenvolvimento da própria humanidade. Discordar ou aprofundar essas idéias é o que movimenta a história.

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