domingo, 30 de janeiro de 2011

Estrutura e Cultura: Evolucionismo, Culturalismo e Funcionalismo

Escola Evolucionista
O período das Grandes Navegações, no final do século XV, trouxe consigo figuras importantes, que ajudaram a construir uma imagem ampla sobre o homem e suas culturas. Com um espírito aventureiro, os viajantes relatavam um mundo completamente estanho aos seus costumes.
Uma nova noção sobre a própria humanidade surgiria. Em meio a selvagens, clima, paisagens e comidas diferentes, foi possível que o velho mundo se soubesse acompanhado pela idéia de um outro gênero humano, tamanha sua estranheza em relação ao povo descoberto.
As histórias, contadas hora com espanto, como por Hans Staden, hora com certa admiração, como por Montaigne, não fizeram parte apenas do imaginário europeu. Séculos mais tarde, elas contribuíram com a primeira forma científica de se estudar a antropologia.  
Embalada pelo espírito científico do século XIX, em que o homem reflete sobre si mesmo e pelo darwinismo, a Escola Evolucionista, composta por Lewis Henry Morgan, Edward Burnett Tylor e James George Frazer, buscava desvendar o mistério da existência de uma diversidade cultural tão grande sendo o homem fruto de uma só origem. Seguindo as mesmas premissas das ciências naturais, colocando o homem em uma esteira onde pode ser abraçado por leis gerais, os estudiosos encontraram “provas” de que o passado da civilização corresponderia ao estágio primitivo que conheceram pelos relatos dos viajantes e missionários.
O objetivo era colocar o homem em um grande quadro sistematizado onde pudessem desenhar uma história comum a todos. As diferenças culturais se justificariam pelo estágio em que se encontravam cada sociedade (selvageria, barbárie e civilização). O topo da evolução estaria, é claro, em suas próprias culturas. O etnocentrismo, um dos problemas centrais criticados pelos estudiosos estava evidente.
A necessidade de provar o homem em sua generalidade desviou os evolucionistas de tentar entender o funcionamento social e cultural particular de cada povo. A estrutura estaria no todo, na sobrevivência dos costumes que eram transferidos de geração para geração até que as transformações naturais fossem ocorrendo e conduzisse os selvagens à barbárie e os bárbaros à civilização. A evolução seria o próprio mecanismo de transformação social.
Uma análise totalmente possível sobre as teorias evolucionistas se faz com o livro de Aldos Huxley, Admirável Mundo Novo. A obra foi escrita em 1931, poucas décadas depois de lançadas as primeiras teses evolucionistas. A ficção científica que pauta a trama tem muito em comum com a idéia de evolução pensada per Morgan, Tylor e Frazer. No entanto, em um cenário futurista, o selvagem é colocado como um retrato da sociedade da época, ou seja, a civilização. Uma crítica forte ao cientificismo que rondava seu tempo, Huxley, neto de  Thomas Henry Huxley, não por acaso biólogo inglês, defensor da tória evolucionista, nos propõe a pensar sobre a uniformização da vida nos seus mínimos detalhes. Todos iguais, gostando das mesmas coisas, gozando de um mesmíssimo estilo de vida, pensando os mesmos pensamentos. Também no livro as castas, criadas de maneira a garantir o bom funcionamento da sociedade, garantem a estrutura daquele mundo admirável onde todos são felizes, independente de suas posições sociais.
A aproximação da história de Aldous Huxley à idéia evolucionista não é aleatória. A crítica está evidente do começo ao fim. Até onde chegaria uma sociedade embrulhada por padrões culturais e sociais tão estruturados? Até onde a ciência de fato consegue explicar ou legislar o homem? Essas são perguntas que podemos fazer lendo as teorias da Escola Evolucionista ou lendo Admirável Mundo Novo.

Escola Culturalista
Distante das suposições dos evolucionistas, a Escola Culturalista, fundada por Franz Boas nos Estados Unidos, provoca uma inversão total da idéia de padronização cultural, unilinearidade à qual estava submetida a humanidade.
Roger Bastide, sociólogo francês, cita a perceptível mudança de ponto de vista que propunha Franz Boas e suas discípulas, Margareth Mead e Ruth Benedict:
“Como se pode vê, entre aproximadamente 1910 e 1930, transitou-se de uma concepção objetiva da cultura para uma concepção subjetiva, quer reconhecendo que um objeto, mesmo material, um machado de guerra, uma pena de papagaio, só tem valor se tiver um sentido, sentido este que lhe é dado pela cultura, pelo espírito dela..., quer reconhecendo o caráter abstrato e convencional da cultura, que, no fundo, não passa de uma simples palavra; a realidade concreta, aquilo que ao etnógrafo se deparar no terreno, nunca é senão a de comportamentos individuais, que são comportamentos aprendidos” (citado em Dicionário de Antropologia, 186,1983).

Assim, a idéia de que os costumes das sociedades estão ligados por uma ordem natural é rebatida. Por essa nova perspectiva, a cultura funciona como algo ensinado e transmitido a fim de garantir a estrutura social existente. Um mesmo costume em uma sociedade diferente, pode não ter o mesmo significado uma vez que os códigos morais são impossivelmente guiados por uma regra universal. A diversidade toma lugar da padronização.
É possível observar com mais clareza do que na tese evolucionista, como as relações sociais (que são também culturais) estão ligadas aos indivíduos de forma inconsciente ou consciente (segundo defende Ruth Benedict) e de modo a permitir a continuidade de certos valores definidos. A cultura, para os relativistas culturais, é uma forma de integrar a sociedade em seu funcionamento.
Se por um lado a teoria darwinista influenciou a Escola Evolucionista, por outro, Freud também aparece refletido nas idéias de Boas:
“A humanidade é um ser coletivo que tem uma existência própria – estando os rituais, os costumes e as instituições par uma sociedade assim como as neuroses, inibições e angústias estão para o indivíduo; Um dado fenômeno que foi consciente numa certa sociedade tende a tornar-se inconsciente ao longo das gerações” (citado em Dicionário de Antropologia, 185,1983).
Dessa maneira, a Escola Culturalista nos oferece possibilidades de enxergar as diversas sociedades de forma singularizada. Nos permite, ainda, pensar sobre como os argumentos anteriores sobre uma natureza humana dá lugar a um sistema de aprendizagem cultural que serve como um garantidor do funcionamento social: garantia da estrutura.
Escola Estrutual-Funcionalista
É na escola britânica que a estrutura começa a ser estudada com mais rigor. Estudar como as diversas partes de um sistema (ritualístico, que seja) funcionam de forma interrelacionadas para garantir a estrutura social como um todo, foi uma das tarefas propostas nesta escola.
A estrutura é algo que garante a perduração de uma sociedade, independentemente dos indivíduos que vão ocupar determinadas posições nela. Além disso, todo o seu funcionamento serve para atender a determinadas necessidades sociais. Para os teóricos dessa escola, a sociedade pode ser equiparada com um organismo vivo, no qual cada órgão exerce uma função interdependente a um outro para garantir a vida em seu mais perfeito funcionamento.
Malinowisk, um dos principais funcionalistas, analisou  como um ritual de troca de pulseiras e colares representava as mais complexas relações sociais entre os trobriandreses, ocultando um sistema completo que incluía política, poder, comércio e casamento. Nesse ponto, há certa aproximação às idéias culturalistas, pois o que pode parecer algo irrelevante em outras culturas, encontra sua simbologia mais complexa em outras, como é o caso do Kula, nome dado ao ritual de troca dos objetos dos trobriandreses.
A cultura, então, passa a ter um mais amplo significado. Ela ganha o sentido de estrutura social. Cultura é uma parte integrante dessa estrutura, na qual corresponde a um conjunto de relações sociais.
Dentro dessa mesma perspectiva, estão Edward Evan Evans-Pritchard e Alfred Radcliffe-Brown. Enquanto Radcliffe-Brown estuda as relações e posições sociais entre indivíduos, Evans-Pritchard estudará as relações grupais. No entanto, os dois estão interessados em mostrar o quanto essas relações devem ser pensadas em um corpo maior que é a própria estrutura da sociedade.

Aspectos Gerais sobre Estrutura e Cultura
Cada escola propõe uma forma conceitual de se pensar a estrutura correlacionada à cultura. É impossível desvencilhar os aspectos culturais de um propósito maior que é a vida em sociedade. Valores, crenças, atitudes e normas formam o grande enigma que é a cultura. Isso equivale a dizer que não existe uma fórmula exata, pois cada sociedade é constituída de uma combinação diferente desses mesmos ingredientes.
Mesmo sendo tão complexo o estudo sobre as relações entre estrutura e cultura, é possível identificar, em especial nas escolas estruturalista-funcionalista e culturalista, peças soltas que sugerem sim fazer parte de um quebra-cabeças muito maior que é o próprio sistema social.

Bibliografia
BOTTOMORE, Tom & OUTHWAITE, Willian. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.
AKOUN, André (org.) Dicionário de antropologia – do homem primitivo às
sociedades actuais. Viseu: Verbo, 1983.
JOHNSON, Allan. Dicionário de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Excelente texto! Estabeleceu coesão a algumas ideias que perduravam confusas =)

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