Assim como a história, Marx não é uma constante. Ele é resultado de acontecimentos da história que lhe permitem mudar para ser o mesmo. Explico: a essência das idéias marxistas é a mesma, mas o amadurecimento delas passou por fases em que o próprio pensador pôde dar-lhes forma. Fala-se do jovem Marx, do sonhador Marx. Fala-se do Marx maduro, mais consciente de uma provável imutabilidade das coisas.
Nesse sentido, Karl Marx nos oferece um cardápio à francesa: entradas, pratos quentes, acompanhamentos e sobremesa. Ou seja, resumidamente, os manuscritos e ensaios iniciais, “Miséria da Filosofia”, “Manifesto Comunista” e “O Capital”. Os pensamentos contidos nesse menu leva-nos a um banquete de idéias. “Miséria da Filosofia” e “Manifesto comunista” seguem certa progressão dos pensamentos de Marx em relação à Luta de Classes, Revolução Proletária. Idéias essas, pouco exploradas 20 anos depois em “O Capital”.
Dentre as idéias desenvolvidas em “Miséria da filosofia”, o capítulo 5 trata sobre as greves e as coalizões operárias. Apesar de ser um capítulo curto, descreve com objetividade e clareza metodológica seus pensamentos sobre a ideologia econômica circulante na época e sua crítica em relação a ela. Também deixa claro o fio condutor que será retomado no “Manifesto Comunista”: a Revolução Proletária.
Para tanto, Marx utiliza sua metodologia de desvelamento da realidade aparente de forma muito interessante. Cita um discurso de Pierre- Joseph Proudhon sobre o encarecimento das mercadorias frente às concessões de aumento salarial pleiteado pela massa grevista, para então tecer uma desconstrução das afirmações feitas pelo filósofo político e econômico francês.
Marx chega a ironizar Proudhon de forma a deixar claro que ele é apenas um reflexo da ideologia economicista divulgada amplamente nos jornais de economia na Inglaterra. Dessa forma, Proudhon aparece como algo forjado, parte do sistema que mantém a ideologia dominante, burguesa.
Em outra passagem do capítulo, Marx desenvolve o papel dos contra-mestres ingleses - operários que eram dedicados aos fabricantes - nos comícios organizados em Bolton na época das agitações pela abolição das leis sobre os cereais, que beneficiavam os proprietários fundiários.
Marx acusa Proudhon de se valer das opiniões desses “operários” divulgadas pela imprensa comprometida com os fabricantes, como sendo essa parcela os verdadeiros operários e elevando-os a pessoas informadas sobre economia, livrando a classe: “Esta miséria faltava à Inglaterra: ela não cruzará o esteio”. Mais uma vez, fica clara a crítica marxista acerca da ideologia política e econômica em voga na época.
O pensador alemão passa por questões como greve, aumento de preços e salários para chegar à questão das coalizões entre operários. A legalidade das coalizões aconteceu em 1825 para que pudesse adequar a legislação do estado de coisas resultantes da livre concorrência. Uma forma de fortalecer aliança entre os proprietários para enfrentar melhor as regras de mercado que se formavam com a consolidação cada vez mais efetiva do capitalismo. Com essa legitimação, a coalizão entre os operários era também legalizada, o que causou um efeito desfavorável aos proprietários. Sabendo-se da força que poderia ser construída com a aliança entre os operários, era comum que economistas publicassem posições contrárias a elas, com discursos ameaçadores sobre a “perturbação do comércio e precipitação à introdução de máquinas que, tornando o seu trabalho parcialmente inútil, forçá-los-ão a aceitar um salário ainda mais baixo”. Outra ponta contrária às coalizões eram os socialistas que argumentavam sobre os prejuízos causados por um esforço de criar alianças serem muito maiores do que possíveis aumentos de salários que pudessem conquistar com as greves em grupos.
Para Marx, as coalizões dizem o lugar em que uma determinada classe operária está em seu país. Daí a importância desse capítulo de “Miséria da Filosofia”, pois as greves e as coalizões demonstram força, um embrião das associações, demonstram um movimento de resistência. Na idéia de “missão histórica do operariado”, as coalizões, segundo Marx, são passos importantes para que as lutas de classe em si ganhem o corpo da luta para si, levando os operários cada vez mais perto da sonhada Revolução Proletária, capaz de destruir o capitalismo com a explosão causada pelo choque entre os interesses opostos entre a burguesia a e o proletariado (conforme a ideologia presente na obra de Marx no momento da produção de “A Miséria da Filosofia”. Essa idéia será amadurecida e abandonada por Karl Marx em “O Capital”, 20 anos mais tarde).
Dessa maneira, O capítulo “As greves e as coalizões e operários”, que parece ser apenas um aperitivo do banquete, mostra-se como excelente entrada para as obras mais complexas e desenvolvidas do pensamento marxista.
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