domingo, 6 de fevereiro de 2011

Partidos Políticos na Coroa e na Modernidade

Introdução

Em 15 de junho de 1889 a família imperial brasileira saía do Teatro Sant’Ana após um concerto da violonista Giulietta Dionesi. Episódio, corriqueiro e freqüente, afinal os eventos e festas dos quais participavam a família real eram muitos: bailes, concertos e até festas populares. Mas o concerto do dia 15 de junho, ficaria marcado por um atentado de grande repercussão nas capas dos jornais e revistas da época: o português Adriano do Vale, 20 anos, teria gritado subitamente um “viva a República”, seguido de um tiro em direção à carruagem do imperador (Schwarcz, 2003). Há nesse fato, uma imensa representação do clima de efervescência em prol de uma República do Brasil. Apesar da ameaça real, a monarquia, na figura popularíssima de D. Pedro II tentava se segurar no poder, o que durou somente até 15 de novembro do mesmo ano, com o “golpe” da Proclamação da República.
O fim do regime monárquico revela o poder das manobras políticas do Partido Republicano, suplantando os dois grandes partidos políticos do Segundo Reinado: Conservadores e Liberais, ou ”saquaremas” e “luzias”. Apesar da extinção desses tradicionais partidos, cabe a eles grande período de alternância no poder parlamentar do Império, o que nos oferece episódios de contradição, concorrência e “disputa” no cenário político eleitoral da época. Formas de representação popular e ideologias partidárias são interessantes temas dessa trama enredada, principalmente entre 1840 e 1889.
Muito diferente do que se entende por partidos políticos na contemporaneidade, naquele tempo não havia espaço para representações dos mais diferentes tipos de público eleitoral. Aliás, o próprio eleitorado era bem diferente. Mesmo com o enfraquecimento da escravidão dos últimos anos do reinado, não havia a participação do povo geral, muito menos dos negros e das mulheres. A aristocracia era parte do jogo, juntamente com o Poder Moderador de D. Pedro II, que elegia seus pares para o parlamento. Na linha de frente, era o imperador que escolhia os nomes em listas tríplices, obtidas por meio de eleição popular (Schwarcz, 2003, pg. 120).
Em poucos meses, o Brasil passará por mais uma eleição para a presidência da República. Desde o “golpe da república”, figurado por Deodoro da Fonseca, o país já teve 43 presidentes diferentes (Planalto). Ao contrário da política do final do século XIX, a situação partidária hoje é diversa. São 27 partidos registrados, representando diferentes segmentos da sociedade.
Mesmo com discrepantes diferenças nos cenários políticos e no dinâmico processo no campo das ciências políticas desde o período monárquico, cabem análises e comparações históricas entre os partidos políticos imperiais e os modernos conceitos acerca desses que são os grandes atores no palco da política.
As análises aqui apresentadas se têm como objetivo mostrar como é entendido o conceito de Partido Político hoje em dia, fazendo um paralelo com a estrutura que se formava durante governo de D. Pedro II. A história e representatividade dos dois grandes partidos do Império também serão tratadas como forma de expor ao leitor como se davam as relações de poder partidárias na época e, por fim, entrará em pauta a representação popular e eleição dos históricos partidos do Brasil Imperial.

Partidos Políticos na Coroa e na Modernidade

Nas eleições de outubro de 2010, os eleitores brasileiros participarão diretamente do jogo de disputa política entre 27 partidos. No entanto, essa aparente diversidade de propostas ideológicas, na essência, pode ser classificada em dois ou três grupos de interesses: partidos que defendem políticas públicas populares, aqueles que defendem e elegem o patronato e, mais isoladamente, a bancada verde. Independente de quais são os valores ideológicos, a questão essencial, que fundamenta a criação dos partidos políticos, em qualquer período histórico, de constituição, é uma só: a busca pelo poder que se apresenta com a chegada de um candidato ao cargo público.
A obra de Gianfranco Pasquino sobre partidos e sistemas políticos organiza os conceitos clássicos sobre o tema e oferece boas condições de analisar a construção do poder nesse sentido. Um dos argumentos apresentados por Pasquino, do suíço Stein Rokkan, expõe explicações genéticas sobre o nascimento dos partidos que dá conta de que a Revolução Industrial fornece condições especiais na formação dos agrupamentos partidários de interesses contrários aos do patronato: os das classes operárias (Pasquino, 2002, pg.156). A partir daí surgiriam os partidos de massa, o que de fato daria um novo ritmo às disputas e concorrências ao poder. Segundo o autor italiano, é a partir desse momento que as democracias ocidentais, por volta de 1920, se instalam através das eleições. Esse traço de democracia, de fato faltou às estruturas partidárias do Império. De longe, o que se via de oposição ao “empresário” da época (os latifundiários e senhores de engenho), eram os movimentos abolicionistas que influenciavam o cenário político, pressionando a monarquia a tomar algumas medidas, que foram feitas de forma gradual, de libertação dos escravos. No entanto, nunca chegaram a ganhar corpo de partido representativo no poder junto ao monarca. O fato é que, somente a partir do período regencial surgem, especialmente na figura dos Conservadores, os partidos políticos brasileiros, reforçando o elitismo que já andava pelos salões da Corte.
Outra definição sobre partidos políticos, também apresentada na obra de Pasquino, é do pensador Max Weber, que fala sobre a essência dos partidos políticos como organizações livremente criadas que pretendem fazer um recrutamento livre com a finalidade de sempre procurar votos em eleições para cargos públicos (Pasquino, 2002, pg. 154). Guardadas as proporções do conceito de recrutamento livre durante o período escravocrata, os objetivos e constituições partidárias no período monárquico não fogem tanto às definições weberianas.
Nos casos dos conservadores, conhecidos como saquaremas, a organização do partido surge em torno da região de forte produção cafeeira, o Vale do Paraíba. O objetivo era formar um partido que defendesse junto ao poder monárquico, ou seja, os interesses do comércio e dos senhores do crédito, comércio e crédito que nominam a fazendo, o engenho, o latifúndio. Para isso, precisariam estar nas cadeiras do Senado e na Câmara dos Deputados, mesmo com o Poder Moderador de D. Pedro II. Já o recrutamento dos liberais, à época chamados de luzias, acontecia em torno dos assuntos da cidade, da soberania popular que se concentraria na emancipação do município e da província (Faoro, 1975). A soberania popular era aquela voltada aos interesses elitistas e não das classes trabalhadoras, que ainda eram, em sua grande parte, compostas por escravos e que, portanto, não eram eleitores.
Embora se dissessem diferentes, eram pouco discerníveis quando no governo. Daí um refrão famoso do visconde de Albuquerque, perfeitamente aplicável às realidades contemporâneas: "Nada se assemelha mais a um 'saquarema' do que um 'Luzia’ no poder". Raymundo Faoro, em seu livro “Os donos do poder” interpreta: “o certo seria dizer que, no poder, nada separa um saquarema de um Luzia, mas o poder, na verdade, tem outra estrutura, independente do jogo cênico dos partidos em revezamento no ministério” Seriam eles, a opinião pública militante, legitimados plelas eleições, com o”povo” genuínamente representados (Faoro, 1975, pg. 342). Outra semelhança aos partidos contemporâneos: os Luzias ficaram conhecidos por adotar as propostas dos adversários sempre que voltavam ao poder (Schwarcz, 2003, pg. 122) .
Em alusão aos conceitos modernos de bipartidarismo e partido dos notáveis, é possível enquadrar os dois principais partidos da monarquia tanto em um como em outro conceito. Conservadores e Liberais revezaram-se no poder de 1837 a 1853, até a inauguração da “conciliação”, que marca uma nova orientação na política imperial, contendo representantes dos dois partidos nacionais (Schwarcz, 2003), sendo essa uma forma autêntica do bipartidarismo. No que se refere ao eleitorado, é dispensável citar os poderes econômicos e grandes influenciadores das elites que compunham o quadro dos partidos. Como mencionado, à época não existia a contraposição “trabalhadores VS patronato”, para que houvesse partidos de massa. Caso houvesse, uma tendência bem provável seria a de transformação desses partidos em pigliatutto, segundo elaboração de Otto Kirchheimer. Isso significa que a propensão de esses partidos expandirem ao máximo a sua base eleitoral de apoio, alargando-a a todos os eleitores e apoiadores possíveis, mesmo que houvesse prejuízo da sua própria identidade. Ou seja, a manutenção do poder é, certamente, mais importante que qualquer identidade ideológica que fundamente o partido. Isso era no Império e não deixa de ser hoje em dia.

Eleições

Todo partido visa à eleição por via da opinião pública (direta ou indiretamente), sendo seu maior objetivo ocupar um cargo público. Esse conceito é muito importante e fundamenta sua retomada para tratar justamente da forma como chegam ao poder. Na modernidade esse mecanismo tem a forte relevância no que diz respeito à participação popular através dos partidos de massa. É essa participação, por exemplo, que acirra as concorrências e impulsionam transformações nas bases partidárias que podem ir do recrutamento de candidatos e militantes, até mesmo a coligações e mudanças na identidade para agradar ao público eleitor. Já na monarquia, as eleições tinham um cunho bem diferente. Além de não se parecer nada com um sistema eleitoral democrático, ainda existia o quarto poder de D. Pedro II, o Poder Moderador, que tinha condições de veto no processo de eleição. Além dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, existia o recurso Moderador, que colocava “graxa nas rodas” da administração, como o próprio rei costuma falar sobre o uso de seu poder. No entanto, no que se refere ao processo eleitoral, essa “mãozinha” nos negócios políticos era mais decisiva do que D. Pedro II admitia. Por exemplo, o pretendente à vaga, deveria ter idade mínima de quarenta anos e, o mais importante, renda de 800 mil-réis anuais (Schwarcz, 2003. Pg. 120). O sistema eleitoral no período da monarquia merece destaque, pois ele, de certa forma, torna a existência dos partidos políticos artificiais, se analisados sob a ótica democrática, tal como concebemos atualmente.
Segundo Raymundo Faoro, o sistema se apoiava sobre pés de barro frágil e todos sabiam que as eleições pouco tinham a ver com a vontade do povo. O eleitorado era obediente ao governo, qualquer que fosse este, uma vez que fosse o poder que nomeia, que possui as armas e o pão (cit. in Faoro, 1975, pg. 343). As eleições, portanto, eram inautênticas e formadas pelos grupos sem raízes populares. Para além dessa falaciosa verdade sobre a participação do povo nas eleições, o rei, com seu Poder Moderador, governava sem governar. Deixava a adminstração nas mãos do conjunto político e intervinha quando achava que deveria. Segundo o próprio imperador observou “Eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa” (cit. in Faoro, 1975, pg. 344) .
O jogo político que se seguia em véspera de eleições, segundo Faoro mostrava o seguinte cenário:
“ o cidadão só perceberia, no poder público, o bacamarte, no dia da eleição; o voraz cobrador de impostos, na vida diária. No outro pólo, há um jantar a digerir, formado de empregos, alegrando com a promessa da carreira política”.

Assim como nas universidades européias, o sistema também tratava de prepara escolas para gerar letrados e bacharéias para ocupar cargos públicos, em comum acordo com o atendimento às exigências sociais. Essa situação, reforça a idéia de que nem um resquício de representação das massas poderia existir nos partidos políticos e nem nos sistemas de eleição. Baseando-se nesse cenário, é impossível identificar os conceitos modernos de participação política através do voto. Também não é possível pensar à época de D. Pedro II eleições em que pudessem participar todos os cidadãos fazendo funcionar os regimes democráticos, conforme definições de Pasquino. Mais uma vez, se confirma toda a artificialidade que inclui não só o sistema eleitoral, mas a idéia de participação política da opinião pública.

Conclusão

Fazer um exercício de volta ao passado histórico da política brasileira assume um caráter importantíssimo para que se compreenda as atuais definições sobre Partidos e Sistemas de Eleição. Voluntariamente as conexões entre o passado e o presente vão se construindo e assumindo posições críticas entre um pólo e outro. Sem dúvida, o caráter de manutenção do poder se revela cada vez mais claro nas relações políticas, seja no século XXI, seja no século XIX.
Por outro lado, a história da democracia evolui vertiginosamente, tornado quase irreconhecível alguns aspectos presentes na monarquia, especialmente no que se refere ao sistema de eleição. Outra mudança essencial, que fez toda a diferença nesse processo de evolução foi a condição necessária para a formação dos partidos de massa. Sem esse evento, provavelmente a política teria permanecido nas maõs dos notáveis de sempre, assim como teriam permanecido os saquaremas e os luzias, não fosse o golpe da república que os obrigou a migrarem de ideais para permanecerem no poder.
No que diz respeito a formação dos partidos políticos, para além da questão dos partidos de massa, não se revelaram traços tão distintos, tendo em vista que a associação partidária obedece sempre ao mesmo objetivo: sob a forma de eleição para cargos políticos, estar no poder e defender interesses, que raramente são os do povo, das minorias. Essa com certeza é uma semelhança que dificilmente dixaremos de encontrar na política ao longo das épocas. Creio que seja o gene imutável dessa fascinante história que é a própria política.

Referências Bibliográficas
Bobbio, N. (2007). Dicionário de Política. Brasília: Editora UNB.
Faoro, R. (1975). Os Donos do Poder. São Paulo: Editora Globo/ Editora da Universidade de São Paulo.
Fernandes, M. F. (2007). Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria , 277-301.
Pasquino, G. (2002). Curso de Ciência Política. Parede, Portugal: Pincípia.
Planalto. (s.d.). Acesso em 22 de junho de 2010, disponível em Planalto: /www.planalto.gov.br
Presidência da República Federativa do Brasil. (2006-2007). Fonte: Presidência da República Federativa do Brasil: www.planalto.gov.br
Schwarcz, L. M. (2003). As Barbas do Imperador. São Paulo: Companhia Das Letras.
Tribunal Superior Eleitoral. (s.d.). Acesso em 20 de Junho de 2010, disponível em Tribunal Superior Eleitoral: www.tse.gov.br

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